Quando eu era homofóbico




Era uma vez um adolescente gay, criado em uma família católica, que não queria deixar ninguém descobrir o que se passava em sua mente. A família reprimia qualquer indício de homossexualidade que aflorasse em sua personalidade e os colegas de escola o recriminavam sempre que um “baby, hit one more time” vazava de seu fone de ouvido.
A melhor forma de defesa encontrada por esse adolescente inseguro e perdido era o ataque, mas não contra aqueles que o reprimiam, e sim contra os menos “discretos” que ele, ou sob uma ótica mais justa, os mais corajosos que ele. Para preservar seu lugar no armário, ele ajudava a arrancar os outros à força. E hoje, anos depois, se envergonha disso.

Escola e LGBT

O ambiente escolar era o mais hostil para crianças LGBT na minha época. Até a quarta-série, era normal meninos e meninas viverem em um apartheid de gênero, mas a partir disso, era absurda a cobrança por ser “macho”, namorar alguém, assediar as meninas e ser machista ao extremo. Qualquer garoto que fugisse à regra, logo era tachado de bicha. E eu me esquivava o máximo possível desse rótulo. Claro que há conflitos na primeira parte da infância, mas deixo isso para outro texto.
Na adolescência, sempre mirava em uma menina inatingível para ser a minha crush. Ela jamais olharia para mim. Em contrapartida, sempre agradecia por haver meninos mais afeminados do que eu na turma: não era o centro das atenções dos homofóbicos. Ninguém via a toalha que eu colocava na cabeça para imitar a Thalia em casa.

Inspiração

Para completar, eu fazia coro às ofensas e provocações. Ninguém era macho o suficiente se não zoasse os possíveis gays. E eu era covarde o suficiente para cair nessa.
Há alguns dias, chegou até mim esse texto do Buzzfeed, que foi inspirado no clipe Indestrutível, da Pabllo Vittar. O vídeo da cantora mexeu comigo de muitas formas, mas não havia parado para pensar que eu, hoje gay assumido e bem resolvido, já tinha habitado o outro lado: eu fui um homofóbico, que praticava bullying e usava outras pessoas como escudo. É quase fácil hoje estufar o peito, carregar uma bandeira, aceitar a Poc que eu sou, e ignorar todas as pessoas que eu usei como degrau para que isso acontecesse. É fácil, é covarde e, se pudesse voltar no tempo, daria as mãos para esse amigo e juntos enfrentaríamos a homofobia.
Graças à internet, retomei o contato com muitas dessas pessoas que eu atingi. Parecem estar bem, vivendo suas vidas e mascarando as cicatrizes – algumas que eu ajudei a formar -, com glitter e amor, como todos nós fazemos. Ironicamente, tenho poucas notícias sobre os homofóbicos. Melhor assim.

Descoberta

O pior período da minha vida certamente atende pelo nome de Ensino Médio. Lá, eu entrei sem conhecer ninguém e acabei cooptado por um grupo que não media esforços para humilhar qualquer minoria que não fizesse parte do lado das “pessoas heteronormativas de bem” que eles representavam. Eu estava completamente dividido. Andava com eles e ao mesmo tempo me descobria. Fiz um amigo que já era abertamente homossexual naquela época e que foi fundamental para me ajudar a me encontrar. Daquela época, é o único que ainda falo de tempos em tempos.
Conforme os anos passaram, esse amigo me ajudou a sair do armário e me aceitar. E esses colegas homofóbicos foram entendendo que eu não era como eles. Os rótulos passaram a não me incomodar tanto e, de certa forma, na minha frente, eles demonstravam respeito.
Lembro que nos últimos meses de colégio, conheci o grupo de teatro da escola que era apontado como “os nerds”, pelo bando que eu andava. Percebi como eu teria sido muito mais feliz se não tivesse me deixado levar por rótulos e tivesse me aproximado deles logo no primeiro dia de aula.
Ainda há muitas barreiras para serem vencidas pelos LGBT, estamos longe de um horizonte feliz, como se pinta, mas estamos infinitamente mais evoluídos do que nossos pais, por exemplo. No entanto, é injusto da minha parte seguir em frente sem refletir quais danos posso ter causado aos Williams, Tiagos, Brunos e tantos outros que ajudei a arrancar do armário à força enquanto me escondia lá dentro, esperando não ser visto por ninguém.
Não acho que todo homofóbico seja gay, mas acredito que todos têm algo muito mal resolvido dentro de si e externam como ódio ao próximo.
Esse texto foi um desabafo, mas também um recado, em uma semana tão importante como essa, que antecede a Parada LGBT de São Paulo. Jovens e crianças LGBT: vocês não são obrigados a cumprir nenhuma convenção social. A vida passará muito rápido e a única coisa que restará é o arrependimento de coisas que poderiam ter sido feitas de forma diferente. Conversem, busquem ajuda, entendam quem é como vocês e também quem é diferente.
Antes de apontar o dedo ou julgar algum amigo, coloque-se no lugar dele e entenda se o que tanto o incomoda não é justamente aquilo que você tenta esconder em si mesmo.

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