Assuma que tem inveja, kiridinha

Inveja, segundo o dicionário:
1. desgosto provocado pela felicidade ou prosperidade alheia.
  1. desejo irrefreável de possuir ou gozar o que é de outrem.

Há algumas semanas, li uma entrevista que o filósofo Leandro Karnal concedeu ao site da revista Exame. Ele sempre diz coisas incríveis, mas nenhuma tinha me impactado tanto quanto esta. Acho que consegui amadurecer uns dez anos em relação aos meus sentimentos depois de refletir sobre a afirmação dele: é bom se sentir um lixo e é bom sentir inveja!
Isso é bacana, pois estou a poucos dias de assoprar velas, logo tenho um novo ano inteirinho para observar isso em mim. Quero perder o medo de assumir quando sinto inveja. Afinal, todos nós somos suscetíveis a isso, em algum momento da vida.

O trecho que me chamou a atenção foi este:

"A palavra 'inveja' é formada por 'in' e 'vedere', que significam 'não ver' em latim. Quando não me vejo, não enxergo o meu próprio desempenho, olho excessivamente para o outro. A psicanálise diz que, se você sentiu dor pela felicidade do outro, isso é uma pista maravilhosa, porque revela algo sobre você e sobre o que você quer. Refletir sobre a própria inveja ajuda a reconhecer os seus desejos, entender os seus fracassos, olhar de novo para si mesmo".

Mas, afinal, como isso pode ser bom?

Aprendemos desde cedo que sentir inveja do sucesso alheio é errado, pecado. Geralmente, as pessoas tentam amenizar o que sentem com o péssimo termo "inveja branca". Como se embranquecer um sentimento o tornasse mais nobre.

A inveja é tóxica e nós queremos nos livrar dela o mais rápido possível, como uma bactéria que nos contamina. Temos duas alternativas: alteramos o curso da vida para conquistar o que nos despertou isso ou aprendemos a viver sem. E isso nem sempre depende da nossa vontade.

Por exemplo, eu morro de inveja das pessoas sentadas no transporte público, quando estou em pé, das que comem de tudo e não engordam (e quem não tem?) e de quem canta maravilhosamente bem. Há pouca coisa que posso fazer para conquistar isso. O remédio é me conformar.
Por outro lado, me mordo de inveja quando vejo amigos viajando para lugares bacanas, conhecendo restaurantes diferentes ou tirando selfies com meus ídolos. Isso eu sou capaz de conquistar.
É óbvio que eu fico feliz pelas conquistas de quem amo, mas eu invejo o que também quero para minha vida. Se eu posso ter, corro atrás. Se não, mudo o foco e elimino essa toxina de mim antes que se torne incurável.
Eu invejo o dom da escrita da Eliane Brum, Gay Talese, Carlos Ruiz Zafon, John Boyne, Markus Zusak... E por mais que eu aprimore minhas técnicas, jamais escreverei como algum deles. Jamais incorporarei suas experiências, técnicas de construção de texto, olhar, criatividade, narrativa. Só me resta ser um invejoso convicto.

Ciência


A inveja é o mais primitivo dos nossos sentimentos. De acordo com o estudo publicado pela Superinteressante, em 2013, o incômodo pelo sucesso alheio chega a causar dor física. Até bebês e macacos demonstram invejar outros seres por suas habilidades ou posses. 
Os especialistas alertam, no entanto, que a inveja pode ser altamente prejudicial, quando o intuito é fazer com que o outro fracasse. Esse é talvez o único estigma que temos do sentimento. Mas é possível ficar feliz pela conquista alheia e buscar o mesmo para si.
A inveja só é benéfica quando nos faz querer alcançar aquilo que não temos por nossos próprios meios. 
Desde que aprendi a reconhecer o lado bom da inveja, entendi que é possível viver sendo menos hipócrita.

Semana passada, uma fonte me disse que estava viajando novamente para a Disney. Eu respondi:
"Não tenho o mínimo pudor em dizer que estou com inveja".


Ufa, é libertador.

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