Vida longa ao legado de Rogéria

Na mesma semana em que a personagem Ivana revelou ser um homem trans na novela A Força do Querer, de Glória Perez, a Rogéria, um dos primeiros í­cones LGBT do Brasil fechou as cortinas do palco da vida. Era como se sua missão estivesse cumprida. Todos passaram a falar sobre o assunto transexualidade, para o bem ou para o mal. Em todos os 74 anos de vida da atriz e cantora, nunca o tema esteve tão em voga na cena nacional. 
Rogéria era í­cone até quando a sigla LGBT nem existia. Talvez por isso tenha tido tanta dificuldade em se assumir uma hasteadora da bandeira. Por medo de perder apoio, ela nunca quis defender avanços, como a exibição de beijo entre pessoas do mesmo sexo na TV. Para os críticos, Rogéria dizia que a sua presença, interpretando uma mulher cisgênero, na novela Tieta, já foi uma bandeira hasteada. 
A travesti, transformista ou qualquer outro rótulo que quisessem imputar nela, sempre foi apenas Rogéria, nascida Astolfo, e conquistou o respeito e simpatia de boa parte dos brasileiros. Ela se autointitulava a "travesti da família brasileira". 
Em entrevista à Marília Gabriela, Rogéria revelou que não sofreu na sua infância, pois sua mãe sempre foi "mente aberta" e nunca teve problemas com a sexualidade do filho. Uma raridade nos anos 1940 e 1950. Bom para Astolfo, para Rogéria e para todos nós! 

Divina diva


Rogéria (de chapéu) em cena do Divinas Divas
Em junho deste ano, a história de Rogéria pôde ser conferida nos cinemas nacionais no documentário Divinas Divas, dirigido pela também atriz Leandra Leal. A história falava sobre o reencontro das artistas  Rogéria, Valéria, Jane Di Castro, Camille K, Fujika de Holliday, Eloína dos Leopardos, Marquesa e Brigitte de Búzios para um novo show. As artistas formaram um grupo de grande importância no auge da Cinelândia, no Rio de Janeiro, com shows que lembravam os das grandes vedetes europeias.
O cenário do documentário é o teatro Rival, que era comandado por Américo Leal, avô de Leandra, e hoje está sob a direção da própria atriz e de sua mãe. 
Algumas das artistas chegaram a trabalhar em Paris, durante um período, onde experimentaram outro olhar sobre a noite boêmia, algo que chegaria ao Brasil tempos depois. Rogéria comentou que foi em Paris que ela deixou o cabelo crescer e passou a se assumir como mulher, pois lá a cultura do travesti já era mais avançada do que no Brasil do regime militar. 



Pioneirismo

Tendo enfrentado os anos mais sombrios no Brasil do século XX, as cantoras abriram portas para que diversos artistas pudessem pisar em palcos, ter seus rostos maquiados apresentados ao público e chegar até à geração Pabllo Vittar, a drag queen popstar. Pabllo também enfrenta muita resistência atualmente, talvez até mais do que Rogéria, por falar abertamente sobre o preconceito que sofreu e se assumir como um ícone de visibilidade LGBT. 
Ao mesmo tempo que o mundo avançou e passou a reconhecer questões de sexualidade e gênero com mais naturalidade, o conservadorismo também tem mostrado as garras. Não há como saber se Pabllo, Lea T, Lia Clark ou Gloria Groove sucederão Rogéria como "travestis/trans/drags da famí­lia brasileira", mas com certeza deixarão sua marca. Vida longa ao legado de Rogéria. 

Lia Clark e Pabllo Vittar: nova geração

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