Orgulho LGBT e preconceito: Vocês não têm nada contra, mas..

Chegamos ao restaurante cinco minutos após o horário da reserva, mas a nossa mesa ainda nos esperava. Era noite do dia dos namorados e, mesmo em uma segunda-feira, tudo estava lotado. A fome e a possibilidade de perder a reserva e ter que enfrentar uma fila que aumentava a cada piscada  me assustava a ponto de neutralizar o que acontecesse ao redor.
Sentamos e comecei a retornar à realidade. 
- Isso é tão estranho, né? - perguntou ele, me tirando do transe.
- O que? - Devolvi com uma pergunta, pois não havia notado nada.
- Só tem casal hétero aqui! - constatou ele.
- Nossa! Verdade. Nem tinha notado.
O fato não tinha me abalado, mas o comportamento dos casais em relação a isso se tornou relevante em alguns momentos daquela noite.


O mundo mudou muito nos últimos anos. A sexualidade já não é mais tabu, para pessoas com bom grau de instrução, e até a identidade de gênero já tem sido pauta mais constante na mídia de massa. Nessa semana, que antecede a maior parada do Orgulho LGBT da América Latina, que acontece em São Paulo, o assunto tem sido ainda mais disseminado.
Há alguns anos, seria inimaginável poder distribuir bandeiras do orgulho LGBT em redes sociais, ouvir a Sandy cantando uma música sobre o o tema ou ousar fazer os mesmos programas de casais heterossexuais. É importante também exaltar a ascensão de cantoras drag queens, como Pabllo Vittar, aos holofotes.
No entanto, isso é apenas a ponta de um iceberg gigantesco. O preconceito não morreu, ainda vive e se faz presente todos os dias. Basta olhar com atenção. Esta reportagem do G1 revelou que os casos de LGBTfobia cresceram em São Paulo nos últimos dez anos.
No mesmo dia dos namorados, uma paródia de música sertaneja viralizou nas redes sociais. A intenção era atacar o São Paulo Futebol Clube pelo seu mau desempenho no jogo anterior chamado-os de veados. Isso é a demonstração de como, inconscientemente ou não, a sociedade continua tratando a sexualidade alheia como forma de diminuir o oponente. Veado ainda é ofensa em 2017.

Seja discreto. Não dê pinta!

Os casais heterossexuais no restaurante podem não ter demonstrado desconforto com nossa presença, mas ainda éramos um ponto destoante no local. De vez em quando, algum olhar se perdia na nossa mesa, admirando a excentricidade do ato. Eles não têm nada contra, afinal até tinha um casal gay no restaurante em que foram jantar.
Da mesma forma, frequentar as aulas de dança na academia é para os fortes. Não porque exija força física, não me entenda mal, mas sim conviver com o julgamento. A cada dez alunos, nove são mulheres e entre os poucos homens, 80% são gays. É frequente ouvir, na musculação, homens heterossexuais provocando-se entre si: "O fulano vai rebolar lá na aula de dança". Mas eles são tolerantes com os gays, não têm nada contra. Até convivem com alguns.
Por isso, a tentativa de incluir os crimes motivados por LGBTfobia na estatística de crimes passionais é mal intencionada e, no mínimo, mal informada. Há preconceito, há homofobia travestida de "tolerância", há transfobia sangrando todos os dias na nossa frente. Só poderemos dizer que vivemos em um mundo seguro quando as expressões "amigo gay", "beijo gay", "casal gay" e qualquer outra coisa que precise ser delimitada como gay, não fizerem mais sentido. É um amigo, é um beijo, é um casal. São pessoas.
Somos pessoas. 
Vocês não têm vergonha de compartilhar ou participar desses posts?

Existem inúmeras formas de perceber a LGBTfobia, mas listei 10 frases que todo mundo já falou alguma vez na vida e que podem ser evitadas. Transformar o mundo em um lugar melhor exige muito mais de nós do que compartilhar manifestos bonitinhos no Facebook. Comecemos com pequenas mudanças em nós mesmos:
  1. Não tenho preconceito, tenho até amigos que são gays.
  2. Ele nem parece gay, se veste e se comporta igual homem!
  3. Tudo bem ser gay, mas não precisa ficar dando pinta por aí. Tem que ser discreto.
  4. Eu acho tão feio aquelas lésbicas que parecem homem.
  5. O Ricky Martin é gay? Que desperdício.
  6. Tudo bem ser gay, mas não deixa as pessoas perceberem.
  7. Sobre os homens/mulheres trans: Para que virar homem, né? Ela não podia só ser lésbica?
  8. Se não quiser apanhar, tem que parar de fazer escândalo pela rua.
  9. Gosto muito dos gays, eles são tão engraçados.
  10. Fulana é sapa? É que não comeram direito!

Qual a necessidade desse tipo de informação?

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