21 vidas



- Paulo, acho que joguei o gato no lixo!
- Como assim, Ana Paula?
- Sério! Não encontro ele. Coloquei o lixo para fora e o gato sumiu.
- Imagina! Ele não ficaria quietinho dentro do saco.
- Tô desesperada. Me ajuda a procurar.

Duas horas de tensão depois, um miado fino e agudo sai de dentro da estante da sala.

- Você ouviu isso?
- Ouvi. Mas, onde ele está?
- Eu não sei. Vou arrastar a estante.
(A estante é empurrada)
- Olha ele ali!
- Eu nem sabia que tinha esse vão aí atrás.
- Nem eu.
- Ufa! Não joguei o gato fora. Não sou tão má mãe assim - comemorou.

Mingau quando chegou em casa, em 2011: só olho e orelha

Esse foi o primeiro dia do Mingau em casa, em fevereiro de 2011. Minha irmã e eu o adotamos em um pet shop do meu bairro que sempre recebe animais órfãos. Ele tinha apenas 40 dias de vida e cabia na palma da mão. 
Meu pai não era nada fã de bichos de estimação, principalmente gatos, mas seria o principal responsável por cuidar do Mingau, uma vez que ele ficava em casa o dia todo e minha irmã e eu trabalhávamos. "Bom", nós pensávamos, "se não deixar o gato fugir já estava ótimo".

Certo dia, meu pai me acorda para falar:

- Paulo César, esse gato tá doente.
- Por que você acha isso?
- Tá com o peito cheio. Tá chiando.
Explodi de rir!
- Pai, ele está ronronando. É uma forma de pedir carinho e dizer que gosta de você, entre outras coisas.

Os dois ficaram bem amigos. Onde meu pai ia, o gato ia atrás. Quando meu pai deitava no sofá, o gato deitava junto. Aos poucos, ele mudou a concepção que tinha do felino e até o rebatizou de "Chico". Os dois se tornaram parceiros do crime, inclusive: meu pai dava bolo e pão para o gato escondido de nós, porque ficava com pena. O Mingau, claro, adorava e não falava nada!
Mais tarde, quando minha irmã tirou o documento do gato, ele ganhou um nome composto: Mingau Francisco.
Quando meu pai fechou os olhos pela última vez, em julho de 2011, só o seu amigo Chico estava presente. O desespero no olhar do gato era nítido quando chegamos em casa.

Filho único

Os anos se passaram e Mingau cresceu vertiginosamente. Cresceu muito MESMO. Ele nunca deu trabalho, nem precisou ir ao veterinário. Tornou-se parte fundamental da família e ainda escolhia com quem dormiria todas as noites.
Era só chegarmos em casa, depois de um dia inteiro sozinho, que corria em nossa direção, miando de felicidade. Se não fosse a quantidade de pelo nas minhas roupas, eu diria que é um cachorro disfarçado.
O Mingau é o único gato que conheço que gosta de água. Ele praticamente arromba a porta do box para entrar no banho com a gente e adora deslizar quando o chão é lavado. Mas nem pense em usar secador para tirar o excesso de água: vai ser uma luta sangrenta.
Depois de um tempo, percebemos que ele se sentia sozinho. Mesmo com a gente, não era a mesma coisa.
Resolvemos, então, "engravidar" de um irmãozinho para ele em 2016. Eu relutei um pouco no começo, imaginando como seria minha vida com duas caixas de areia, mas fui voto vencido. Minha irmã e o Mingau venceram. Iniciamos a busca por um filhote que pudesse fazer companhia para ele.

Os gêmeos chegaram
Coincidentemente, uma gata, que visita o apartamento da minha prima com regularidade, resolveu que ali seria uma boa maternidade para dar à luz sua prole. A história seria linda, se no mesmo ambiente não morasse um poodle bem ciumento.
Pouco a pouco, a gata levava os gatinhos embora e não os trazia de volta. Deixando apenas dois, um cinza e um tigrado. 
Convencidos pelo senso comum, escolhemos o gatinho tigrado. Nossa surpresa foi que ele não queria vir conosco de jeito nenhum. Se escondia embaixo das coisas e demorou até conseguirmos colocá-lo na caixinha de transporte.
Já o cinza praticamente grudou em nós. Minha prima pediu que levássemos ele também, temendo um fim fatal para o coitado, e que nos ajudaria a arranjar um novo lar para o pequeno.

Três é demais?

Quando chegamos em casa com os dois filhotes dentro do transporte, era como se voltássemos da maternidade com novos bebês. O Mingau ficou super curioso para conhecê-los. Os dois novatos, no entanto, pareciam mais ariscos. 
Eles foram soltos no quarto e em menos de duas horas fomos convencidos de que nenhum deles deveria ir embora. Pankeka (cinza) e Pimenta (tigrado) não se desgrudavam e um certamente ficaria muito triste sem o outro. 
Menos de uma semana depois, os três gatos já conviviam juntos e felizes. Os filhotes mamavam e ainda mamam no Mingau, como forma de se sentirem protegidos, e ele, bonzinho que é, deixa. Hoje ele já se irrita mais com isso e dá uns safanões quando não está com vontade de bancar a ama-seca.
Os dois são extremamente atentados. Já nos tiraram do sério várias vezes, derrubaram cortinas, fizeram o papel higiênico de esteira, mudaram a decoração dos quartos, brincam de lutinha à noite, rolam com brinquedos barulhentos pela casa e tocam o terror, mas os traços de personalidade são nítidos e nos amolecem rapidamente.
O Pankeka é extremamente atrapalhado, inocente, carinhoso e manhoso, além de comilão. 

- Paulo, eu acho lindo o Pankeka vir "amassar pãozinho" em cima de mim, mas não precisaria ser no meu rosto e à noite, enquanto tento dormir.

Além disso, ele parece um motor ronronando. E roncando! Penso o que meu pai diagnosticaria desse curioso caso.
Já o Pimenta é mais desconfiado, além de dramático e escandaloso. Pegá-lo é sempre uma aventura, ele morre de medo de tudo. Minha irmã levou uns bons arranhões tentando dar banho nele. Com estranhos em casa, ele se enfia embaixo dos móveis ou das cobertas.
Demorou uns três meses até que ele deitasse no meu colo para dormir espontaneamente, pela primeira vez. 

- Será que eu joguei um dos filhotes na máquina de lavar?
- Como assim, Paula?
- Eles estavam brincando lá perto. Eu coloquei roupa na máquina e não estou vendo-os agora.

Começou tudo de novo...


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