#HIV - Quando eu descobri...

... que era preconceito.

Certa vez, um amigo disse que “todo LGBT tem certeza de que tem Aids”. Como eu tinha míseros 16 anos e estava descobrindo o mundo, a fala dele me perturbou por anos. Afinal, para que fazer o exame e só comprovar o que já sabíamos? Ou ainda, para que me cuidar, se já estava infectado mesmo? Eu estava tão errado.
Para grande parte dos mais jovens, que ainda estão se descobrindo, o mundo LGBT acontece nas sombras, sob o estigma do proibido. Nisso, falta informação e abertura da sociedade para discutir temas que poderiam ser mais abrangentes. Eles ainda não têm a segurança de quem são, e tornam-se nos mais vulneráveis, justamente por não ter com quem falar a respeito. Euzinho, há muitos anos.
Cerca de dois anos depois dessa conversa com meu amigo, no já longínquo 2004, ele fez o exame no CTA – Henrique de Souza Filho (Henfil), no Anhangabaú, centro de São Paulo. Lembro-me até hoje da expressão de alívio dele ao pegar o resultado. “Que ótima notícia”, pensei, “agora só eu estou infectado”.
Anos se passaram e eu sempre fugi da possibilidade do exame. Ouvir de um estranho que eu havia contraído uma doença que é diretamente relacionada, pela sociedade, à minha condição sexual, só seria mais um atestado de incompetência e de que eu havia falhado em me proteger. Imagina ter que contar para a família toda sobre mim?
No dia 1º de dezembro foi o Dia Mundial de Luta contra a Aids. A data geralmente traz balanços sobre a situação mundial e a notícia não é boa para os brasileiros. Assim como o jovem-eu, muita gente prefere não fazer o exame e viver com o benefício da dúvida ao suposto martírio da certeza. De acordo com dados do Ministério da Saúde, 112 mil pessoas convivem com o vírus no Brasil e não sabem.

O exame

Dez anos depois da conversa com meu amigo, eu me vi caminhando pelo Viaduto do Chá, em direção ao CTA. Sim, eu havia feito o exame. Sim, estava decidido a acabar com a dúvida. 
A neura, obviamente, bateu à minha porta. "E se eu estiver infectado?" "Bom, dá para viver normalmente, vou levar minha vida de uma forma saudável, me tornar ativista e lutar para que cada vez menos pessoas passem por isso".
Obviamente, isso não me tranquilizava. A hipótese do julgamento social recaía fortemente sobre mim.

- Oi, bom dia. Vim pegar o resultado do exame.
- Só um momento. Sim, pode subir. O orientador já está chegando.

"Orientador?", pensei. "Como assim? Por que um orientador? Eu já preciso de um orientador?"

Fui para o andar de cima, onde já havia uma moça esperando. "Será que ela conseguiria ouvir meu resultado?". "Essas paredes são antirruído? O que me garante isso?". "Se eu estou aqui, ela pensa que transo sem camisinha? Que sou um pervertido?" - sim, eu tinha esses pensamentos.
Meia hora depois, o orientador finalmente chegou. Depois de alguns minutos, chamou a moça. "Ufa, que bom. Não dá para ouvir nada". 
Ela passou cerca de cem anos lá dentro, mas o relógio dizia que foram só quinze minutos. Deu tempo de chegar mais duas pessoas.
De repente, a porta se abre e ela sai. Tentei não olhar, para não ler seu semblante, e notei que as outras pessoas fizeram o mesmo.
- Paulo César?
Dei um pulo da cadeira.
- Pode vir.
Entrei na sala e fechei a porta atrás de mim. Ele me mostrou uma cadeira de plástico.
Sentei, não sem antes esbarrar nela. Claro.
- Como você está?
- Estou bem -  menti.
- Estou com seus resultados aqui.
Sorri amarelamente.
- Ok, vamos acabar logo com isso - ele disse, enquanto abria o envelope.

Casos aumentam no Brasil



De acordo com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), a população que convive com o vírus no Brasil passou de 700 mil, em 2010, para 830 mil, em 2015. Na América Latina, o Brasil concentra 40% de todos os novos casos.
Curiosamente, o País foi pioneiro entre os emergentes a iniciar o tratamento gratuito para portadores do vírus, em 1996, há exatos vinte anos. A média global de pessoas recebendo o tratamento em 2015 era de 46% - já no Brasil, 64%.
O crescimento mais alarmante é observado no público masculino, entre 20 e 24 anos: a taxa de detecção do vírus dobrou entre 2005 e 2015, passando para 33 casos a cada 100 mil pessoas. Segundo notícia publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, a incidência mais expressiva de contágios ocorreu nas relações homossexuais, passando de 22,6% para 36,5%.


HIV não é necessariamente Aids

Uma certeza errada que eu tinha, e que muita gente tem, é que portar o vírus HIV é sinônimo de ter Aids. O vírus pode ficar incubado por anos na corrente sanguínea, sem apresentar sintomas ou infecção das células do sangue. Vai depender muito do estado de saúde da pessoa.
Por isso é importante realizar o exame com frequência: quanto mais cedo o HIV for detectado, mais eficaz será o tratamento.

Eu não estava pronto

De volta à cena do CTA, antes que o orientador retirasse os papéis do envelope, eu reagi:
- Calma, moço. Não tão rápido!
Ele me olhou assustado.  
- Estou com medo do resultado.
- Por quê? Vamos conversar - ele perguntou sobre minha vida sexual e deu alguns conselhos - Fique tranquilo, não é o fim do mundo. É importante sabermos o quanto antes, caso dê "reagente", para lidarmos com isso. No entanto, HIV não é o único risco que se corre ao abrir mão da proteção, mesmo que esporadicamente.
- Tudo bem - menti novamente, tremendo internamente. Todo meu futuro estava nas mãos dele agora, literalmente.
- Bom, vamos ver...
Meus olhos encheram de lágrimas.


Naquele setembro de 2014 levantei daquela cadeira de plástico com uma certeza: a vida havia me dado uma lição e eu não poderia desperdiçá-la. 
Eu prometi a mim mesmo que me informaria mais sobre HIV e Aids e faria o que estivesse ao meu alcance para ajudar as pessoas que passam por isso. Essa promessa está no meu plano de metas, mas eu já dei o passo inicial: após uma pesquisa, passei a acompanhar o canal HDiário, do Gabriel Comicholi, um curitibano que descobriu ser soropositivo e lida com isso de forma natural. Segundo ele, o canal surgiu justamente pela falta de informações confiáveis na internet. É inspirador e com certeza trará mais tranquilidade e informação aos jovens de hoje. 

Além da HIV

É importante frisar que a infecção pelo vírus HIV não é a única preocupação. Existem diversas outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e uma, em especial, tem apresentado sinais de epidemia. 
Em 2015, o Brasil registrou aumento significativo de infectados pela sífilis, de acordo com o Ministério da Saúde. A quantidade de bebês infectados ultrapassou os 6,5 casos a cada mil nascidos vivos - 13 vezes mais do que é aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e 170% a mais do que existia em 2010.
Para sífilis transmitida sexualmente, a taxa é de 42,7 a cada 100 mil habitantes.

Estudos sobre prevenção

Recentemente, foi finalizado o estudo de uma estratégia de prevenção ao vírus HIV chamada Profilaxia Pré-exposição (PrEP). O método foi testado em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Por aqui, as pesquisas foram conduzidas pela Fiocruz e UFRJ, no Rio de Janeiro, e pela USP, em São Paulo. A organização divulgou que houve 500 voluntários no País.
O tratamento consiste em ingerir um comprimido por dia, chamado de Truvada, ou um gel aplicável, e é adicional ao uso de preservativos, pois não substitui a prevenção tradicional para outras DSTs.
Conheça mais sobre o projeto no site oficial.

Acabei com minha dúvida. Agora, quero ajudar a acabar com o preconceito.

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