Por trás de todo o sucesso de histórias como A Pequena Sereia e Frozen - que é baseada no clássico A Rainha do Gelo - existe um autor dinamarquês chamado Hans Christian Andersen (1805 - 1875). Além destes clássicos, ele deixou para a posteridade a história da Pequena Vendedora de Fósforos.
O conto fala sobre uma menina que caminha na neve, na noite de Natal, e tenta vender seus fósforos, para não chegar em casa e apanhar do pai. A garota passa em frente às janelas, vê as celebrações das famílias e não consegue vender um único palito sequer, e ainda é derrubada por pessoas que não a enxergam em sua pequenez.
O conto fala sobre uma menina que caminha na neve, na noite de Natal, e tenta vender seus fósforos, para não chegar em casa e apanhar do pai. A garota passa em frente às janelas, vê as celebrações das famílias e não consegue vender um único palito sequer, e ainda é derrubada por pessoas que não a enxergam em sua pequenez.
Ela usa os fósforos para se aquecer e vê sua avó já falecida, com a luz criada pelas chamas. Aos poucos, sua visão fica mais nítida e seu corpo, mais leve. A pequena vendedora de fósforos morre de frio no final da história, enquanto as aconchegantes e fartas festas de Natal acontecem ao seu redor.
***
Com os dados de uma criança a ser presenteada em mãos, fui com minha irmã para o shopping. Meio desnorteados, pois não temos crianças na família, entramos em uma loja de departamento e começamos a procurar pela equação: tamanho x preço. Quando, enfim, reconhecemos nossa falta de capacidade de examinar uma peça que vestiria um corpo três vezes menor que o nosso, procuramos ajuda. Olhei para o lado e encontrei uma moça arrumando as gôndolas:
- Com licença, pode nos ajudar? Precisamos comprar roupa para uma criança de sete anos, mas não temos nenhuma na família e não entendemos nada de tamanho.
***
Rita * estava em seus primeiros dias na loja de departamento. Ainda não sabia exatamente todos os procedimentos, mas tentava dar o seu melhor. Aquele emprego temporário veio em boa hora e ela precisava fazer tudo da melhor forma para tentar a efetivação, após os 20 dias previstos em contrato.
Em uma segunda-feira do fim de novembro pediram para que ela ficasse na porta do provador. A tarefa era simples: contar com quantas peças cada cliente entrava, e lhe entregar uma plaquinha indicativa. Ah, e claro, somente mulheres entravam na ala feminina e somente homens na masculina. "Não tinha como dar errado", pensou.
Assim como Rita, estima-se que existam outros 101 mil profissionais temporários neste fim de ano. De acordo com a Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de RH, Trabalho Temporário e Terceirização (Fenserhtt), apenas cinco mil pessoas devem ser efetivadas. Rita quer ser uma delas.
Depois de um tempo atendendo clientes no provador, um homem se aproximou e mostrou um punhado de roupas à Rita. Ela contou as peças e lhe entregou a plaquinha. Ele, então, seguiu para dentro do espaço e avisou à esposa, que estava logo atrás: "Vem ver se fica bom".
Opa!
- Desculpe, senhor. Somente homens podem entrar nesse provador - Rita alertou.
- Eu sou esposa dele e vou acompanhá-lo.
- Eu entendo, senhora, mas tem outros homens lá dentro. Por isso mulheres não podem entrar.
- Estou falando que eu vou entrar. Você acha que é quem para me impedir?
- Senhora, se coloque no lugar dos outros clientes. Gostaria que um homem entrasse no provador feminino?
- Vou reclamar com o gerente agora!
A cliente cumpriu a promessa e acusou Rita de ter sido mal educada. O gerente também não autorizou a entrada da esposa, que desistiu da compra, mas Rita foi realocada. "Melhor ir para outro setor hoje", ele justificou.
Decepcionada, ela obedeceu.
Rita nunca foi vendedora. Não tinha experiência antes de ser contratada pela loja. Enfermeira por formação, abandonou a profissão ao dar à luz. Vítima de depressão pós-parto, a mulher não conseguia olhar para o rosto do filho, nos primeiros meses de vida. Isso fez com que ela desenvolvesse síndrome do pânico.
Quatro anos depois, o irmão mais velho da moça matou a própria esposa e se suicidou. A mãe de Rita embarcou em uma depressão ainda mais profunda do que a sua e ela foi forçada a abrir os olhos para a luz. Na casa só caberia uma pessoa nas trevas. Ela começou a acender seus fósforos.
***
Pouco a pouco, Rita vinha se recuperando de seu trauma. Seu filho passou de motivação da depressão à pessoa mais importante de sua vida. Um dia após o incidente do provador, ela foi abordada por um casal de irmãos que lhe pediram ajuda na loja e se sentiu útil novamente.
Rita abriu um enorme sorriso e começou a procurar roupas para a criança, como se fossem para a dela. Por alguma razão, ela sentiu que poderia confiar naqueles dois.
- Sabe, eu não sou vendedora. Fui contratada para ficar na confecção, mas posso ajudar vocês. Tenho um filho dessa idade.
- Que bom! Não temos a mínima noção. No cartão diz que ele veste dez, mas se tem sete anos, será que é gordinho?
- Não, ele deve ser grandinho. Vamos ver.
Conversa vai, conversa vem, Rita desabafou sobre o ocorrido do dia anterior. Ela precisava de alguém que a ouvisse. Às vezes, tudo que precisamos não é de alguém que resolva nossos problemas, mas que aceite dividir o fardo, ao ouví-los.
Rita contou que está tentando acordar das trevas que a levaram há quatro anos e por isso resolveu aceitar a proposta do emprego temporário. Precisava lidar com pessoas. Precisava de contato. Precisava se sentir útil. O antigo ofício de enfermeira já não estava em seus planos. "Não sei se eu conseguiria". Desde então, vinha vencendo um medo por dia, até entender, à porta de um provador, que o mundo não está disposto a ajudá-la nessa missão. A batalha é dela contra o mundo, mas também contra ela mesma.
A forma com que eu posso ajudar Rita é a mesma que Hans Christian Andersen utilizou para sua vendedora de fósforos: contar sua história, para que tentemos ser cada vez menos como a cliente do provador. Cada pessoa que passa por nós tem uma história e seus problemas podem, sim, ser piores do que os nossos. Não precisamos nos tornar mais um obstáculo diante de tantos que cada um de nós tem que enfrentar todos os dias.
Força, Rita!
* nome fictício
simplesmente lindo
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