Enquanto você dormia

"Eu só quero estar lá
Quando a luz da manhã explode
Em seu rosto, que se irradia
Eu não posso escapar
Eu te amo até o fim"
Love you 'til the End (The Pogues)

Na vida, sou a Bridget Jones te olhando enquanto você dorme

Parece que está chovendo lá fora.
Ou talvez seja só o barulho do chafariz, que sempre me confunde. Nem posso abrir a janela para checar, ele resmungaria com qualquer fresta de luz do sol que entrasse e o quarto já é claro demais. Acordei há um tempo, mas tenho que esperá-lo despertar para sairmos. Isso pode levar horas, na melhor das hipóteses. 
Enquanto espero, me perco algumas vezes olhando para ele. Analiso o desenho do seu rosto, o contorno dos seus olhos, a rara tranquilidade do semblante e me pergunto: "como viemos parar aqui?" 


Se pode existir camarão com banana,
por que não pode existir nós dois?
Nós dois juntos somos tão improváveis quanto a mais exótica das misturas. Como um dueto entre Thalia e Björk, um prato de camarão com banana ou Axl Rose dançando Bang, da Anitta.
Meia-noite para mim significa "boa-noite", já para ele, é um "vamos começar a conversar". perdi as contas de quantas vezes o deixei falando e dormi. Ou ainda conversei dormindo, respondendo coisas absurdas. Nem lembro até qual parte eu ouvi ontem. 
Ele é do verão, eu sou do inverno. Meu horário mais produtivo é a manhã. Ele não existe de manhã. 

Aliás, que horas serão agora?
Ah, quase dez.
Falta bastante ainda.

Ele é o sol da praia, eu sou o frio das montanhas. Ele é um solo de guitarra do rock, eu sou a coreografia e os agudos do pop. Ele é o típico "dez minutos depois", eu sou aquele dos "quinze minutos antes". Eu sou leitor de romance, ele, de manuais. Eu sou o que se joga sem paraquedas, ele, o que não sai do chão sem saber como vai voltar para lá.
Quase sempre, ele me dá uma mini-aula sobre um concerto que estamos prestes a assistir, ou uma exposição sobre algum artista lado B. Eu lhe dou um briefing sobre quem é Tiana, da Princesa e o Sapo, na fila para tirar foto com a personagem, na Disney, ou quem é Karin Hills, depois de assistirmos ao musical Mudança de Hábito. E eu aposto que ele não lembra, dois minutos depois.

Será que se eu ouvir música baixinho ele acorda?
Ai meu Deus, resmungou.
Vou voltar a escrever.

Ele me encoraja a seguir além. Me ajudou a desenterrar sonhos que eu nem lembrava que tinha. Só ele consegue tirar o melhor e também o pior de mim. 
Olhando para quem eu era, antes de ele cruzar meu caminho, penso que só Deus sabe quantas vezes desci ao inferno e voltei. Como a solidão me era nociva e quão fúteis eram os motivos que me faziam sair da cama todos os dias.
Eu ainda vivia a morte dos entes que se foram. Eu não vivia, apenas existia. Congelei todos os meus sonhos para que alguém com mais ousadia os realizasse no futuro. Ele me trouxe de volta à vida, me encorajou a assumir as rédeas do meu destino: se quero resultados melhores, preciso me arriscar em desafios maiores.
Após dois anos, continuo com a cabeça nas nuvens, mas com os voos cada vez mais pensados e amparados pelos seus pés no chão.

Uma das imagens da Torre Eiffel. Inesquecível
Em dois anos tivemos experiências de uma vida: saltamos de paraquedas na chuva, ficamos sem bateria na câmera e sem espaço de armazenamento no telefone em frente à Torre Eiffel, enfrentamos uma greve de metrô em Londres e um vazamento de gás, que fechou a estrada, em Orlando.
Ganhamos muitos quilos, amigos (a lista dele no Facebook duplicou nesse período), experiência, ambições, conhecimento, e muitos, muitos motivos para sorrir olhando para o horizonte. 

Eu estou vivo, afinal. 

Faz mais de 720 dias que ele está em minha vida, mas ainda fico ansioso antes de encontrá-lo. Já troquei milhões de mensagens com ele, mas ainda suspiro quando vejo seu nome na tela do celular, porque eu sei que, pelo menos, naquele instante, ele também pensou em mim. 

De repente, ele acorda, percebe que estou olhando para ele todo esse tempo, e quebra tudo com sua habitual sutileza:

"Que que é?"

E eu me apaixono de novo.
Realmente não estava chovendo lá fora.


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