Ele venceu o inverno

Será que seus olhos o traiam? Depois de tantos anos em busca, era difícil acreditar que ela estava ali, na sua frente, o olhando de volta. Será que realmente um sonho se realizava na sua vida? Aquela luta não poderia ter sido em vão. 
Ele engoliu em seco. Sim, era ela. 
Ela que o esperava com um largo sorriso, ansiando por seu abraço, que demorou mais de vinte anos para acontecer. Ele a abraçou e dissipou todo o frio que o machucava desde a infância. Todo vento que batia em seu rosto foi deixado para trás com o calor que recebia. 
O inverno era, por fim, vencido. 
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A estação dos ventos gelados é a que Ricardo Sales menos gosta. Nascido na terra do sol constante, de janeiro a janeiro, o migrante agora acorda sob os raios que despontam no Sudeste, mas não se acalenta à escassez de calor que é imperativa tanto no clima, quanto no contato entre as pessoas.
Como ironia, a chegada calendarizada do inverno, 21 de junho, é o mesmo dia em que Ricardo assopra velas de aniversário. Este ano, no total, somará 29 batalhas travadas contra seu inimigo gelado. Mas a nova jornada será diferente. O coração de Ricardo será aquecido pelo amor de duas mães, pela primeira vez. 
Após a chegada do inverno, no ano passado, Ricardo realizou um sonho que cultivou por toda a vida: reencontrou a mãe biológica. Criado desde pequeno por dona Maria, eram poucas as memórias que o pequeno tinha daquela que havia lhe dado a vida. Só sabia que era jovem, não pudera mantê-lo por perto e guardava enorme semelhança física com ele próprio. Não sabia, sequer, se ainda vivia. A última vez que a vira, ainda não tinha alcançado os dez anos de vida e os cinquenta quilos de existência.


***
Em meados de 2005, Ricardo partiu de sua terra natal, no semiárido, para conquistar o mundo rodeado de concreto e ventos gelados. O jovem adulto trocou o abraço da mãe Maria pelo abraço que a solidão da cidade grande poderia lhe oferecer. Antes de chegar a São Paulo e ao começo desse texto, Ricardo foi protagonista de muitas ricas narrativas, que cabem em outras histórias do blog, no futuro. 

Ao chegar à capital paulista, ele enfrentou muitas batalhas, encontrou aliados fieis pelo caminho e hoje se consolidou na selva de pedra. A busca pela mãe biológica, no entanto, nunca cessou. O rapaz se comunicava com parentes, que encontrou por meio da internet, e seguia qualquer mínimo rastro que o levasse até sua origem, mas todos sem sucesso.

Foi em um ímpeto que decidiu procurar ajuda especializada. Já vira tantos abraços de saudade serem sanados nos palcos de televisão, por que um desses não poderia ser o seu? Enviou a história, a emissora se interessou, um detetive começou a procurar e, depois de um tempo, só disse a Ricardo que a história dele era "mais cabeluda" do que imaginava.


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Aflito por esperar respostas de um detetive que não o dera nada mais a não ser motivos para angústia, Ricardo resolveu enfrentar este inverno por conta. Com a ajuda e a habilidade de um dos poucos, mas significativos, calores que a vida na cidade lhe proporcionou, jogou-se no labirinto digital e começou a garimpar.
Descobriu a cidade em que sua mãe vivia, bem longe das fortalezas de onde veio, mas perto do centro do país. Anunciou na rádio local, que chegou aos ouvidos da manicure, que levou a história para a amiga, que contou para a inimiga e fez chegar aos ouvidos da já desesperançada mãe: “seu filho a procura”.


***
O telefone de Ricardo tocou em uma manhã. O inverno de fato já não tocava o ar de São Paulo severamente há alguns anos. As blusas estavam malocadas no guarda-roupa e ele havia até esquecido como sofria nos meses que passavam após seu aniversário. O DDD que aparecia no visor não era conhecido, e parecia ser de alguma cidade do interior de Goiás. O calafrio que não sentia desde o último inverno que havia trazido frio, materializou-se com o seguinte diálogo:
- Alô?
- Oi. Ricardo?
- Quem está falando?
- Sou eu, meu filho. Sua mãe.

Ricardo não acreditou. Perguntou tudo para se certificar que a interlocutora não era uma impostora, antes de confiar-lhe sua alegria e suas lágrimas. 
Era ela.
***

Sempre cheio de amor para oferecer, Ricardo cativa a todos ao seu redor. Não foi difícil conquistar o mesmo feito com a nova família. Além da mãe, irmãos, sobrinhos e cunhados o esperavam. Este é o inverno mais rigoroso que se abate sobre São Paulo em décadas, mas, com certeza, o frio é o de menos para ele agora.
Feliz aniversário, meu amigo.

Comentários

  1. É uma honra para mim, poder contemplar a minha história em sua escrita, impecável!!! Obrigado amigo, não sei agradecer tamanho carinho. Nossa amizade é para sempre, obrigado por tudo. :D /

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    1. Obrigado a você por compartilhar essa linda história comigo. Tenho muita honra em poder contá-la.

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  2. Ual. Paulo, parabéns pela escrita impecável. RICORICO, PRIMO, que história mais linda, estou emocionado aqui... Que esse seja o início de um verão repleto de alegria.

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    1. Obrigado pela visita e pela mensagem, João! A história do Rico é inspiradora e deve receber todo o crédito. Volte mais vezes ao blog :)

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  3. Ual. Paulo, parabéns pela escrita impecável. RICORICO, PRIMO, que história mais linda, estou emocionado aqui... Que esse seja o início de um verão repleto de alegria.

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  4. Lindo, só isso que posso dizer. Tenho o enorme prazer de conhecer essa pessoa e essa história.

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  5. Linda história! Eu tenho um prazer enorme de conhecer esse menino de ouro chamado Ricardo, meu amigo do peito!

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