Para os míopes, todos os gatos são pardos, mas não só à noite. Dependendo da distância, o gato é pardo a qualquer hora do dia. Se tirar os óculos de um míope, o mundo diante de seus olhos se transforma em um grande gato pardo.
Só não enxerga quem não quer, mas quase sete graus impedem minha vida de ter uma transmissão em HD, mesmo com o uso de lentes corretivas. Eu enxergo tudo como uma grande TV de tubo com fantasmas e chuviscos à moda antiga da antena ajustada com palha de aço.
Não sei exatamente quando a miopia veio. Na verdade, acho que sempre esteve aqui, mas, reza a lenda de que a conheci quando tinha um ano e meio de idade e me aproximava demais da TV para receber o beijo da Xuxa. O primeiro a aparecer, na verdade, foi o estrabismo, percebido pelo meu tio e diagnosticado pela minha mãe. A partir de então, comecei minha parceria vitalícia com os óculos fundo de garrafa.
Só não enxerga quem não quer, mas quase sete graus impedem minha vida de ter uma transmissão em HD, mesmo com o uso de lentes corretivas. Eu enxergo tudo como uma grande TV de tubo com fantasmas e chuviscos à moda antiga da antena ajustada com palha de aço.
Não sei exatamente quando a miopia veio. Na verdade, acho que sempre esteve aqui, mas, reza a lenda de que a conheci quando tinha um ano e meio de idade e me aproximava demais da TV para receber o beijo da Xuxa. O primeiro a aparecer, na verdade, foi o estrabismo, percebido pelo meu tio e diagnosticado pela minha mãe. A partir de então, comecei minha parceria vitalícia com os óculos fundo de garrafa.
![]() |
"Vem, baixinho. Aproxime-se da TV para ganhar um beijinho" |
Nos olhos dos outros é refresco
O felizardo que vive do lado míope da força sabe que poucas dúvidas são mais perturbadoras, e exigem decisões mais imediatas, do que: “será que eu conheço essa pessoa que está vindo na minha direção?”. Já passei por esnobe ao “fingir” não ver gente que conhecia, mas, em contrapartida, já cumprimentei estranhos efusivamente.
Da mesma forma, já acharam que eu estava sensualizando ou paquerando ao apertar os olhos em direção a algo ou alguém, quando, na verdade, estava tentando enxergar alguma coisa.
Já deixei ônibus passarem por não conseguir ler a placa a tempo e precisei fingir que não dei sinal em cima da hora. “Deixa eu disfarçar um espreguiçamento aqui”.
Na escola, era taxado de nerd por sentar na frente, mas era uma questão de enxergar a lousa e não de estilo de vida. Em contrapartida, já deixei de enxergar o que estava na lousa, porque sentei no fundo, para não ser chamado de nerd.
Nas baladas, já me engracei com gente que não fazia meu tipo, pois, bem, no escuro a visão fica ainda pior. Isso, pelo menos, ficou para trás.
Tirar fotos sempre foi um problema. Já saí com estouro de luz na lente dos óculos em diversas ocasiões. No entanto, tenho registros de momentos importantes, como a formatura da oitava série, em que saí vesgo – muito vesgo mesmo -, por tirar os óculos para a foto. Imagina com que frequência eu vejo essas lembranças?
Quem não passa por isso, geralmente não sabe o que é aquele pequeno infarto que dá quando alguém aponta um celular ou outro dispositivo para um míope, a metros de distância, e diz: “olha essa mensagem”. Há uma mensagem ali? O mesmo efeito é para “consegue enxergar o que está escrito naquela placa?”.
Esquecer os óculos em casa ou ter problemas na lente de contato são experiências que não-míopes jamais vivenciarão. Bem como o arder dos olhos com a proximidade do monitor para enxergar tudo, no decorrer do dia.
Esquecer os óculos em casa ou ter problemas na lente de contato são experiências que não-míopes jamais vivenciarão. Bem como o arder dos olhos com a proximidade do monitor para enxergar tudo, no decorrer do dia.
Quem vê, nem diz
Conjuntivite representa alguns dias afastado para um ser humano que goza do pleno funcionamento da visão, mas para o usuário de lentes de contato representa um prejuízo dos grandes.
Em 2017 faz dez anos que passei a usar lentes de contato. No início eram aquelas rígidas, um horror. Antes disso era só óculos mesmo. As lentes corretivas sempre fizeram parte da minha vida.
Lembro que cada par de óculos era uma fortuna e não demorava nada para que eu quebrasse e logo precisasse de novos. Isso porque nem entrarei no mérito do tampão, que usei na primeira infância – antes dos sete anos.
Bullying também era algo corriqueiro, quando ainda nem existia. Além dos tradicionais apelidos “quatro olhos”, “fundo de garrafa”, “cegueta”, “olhos atraentes” (em referência ao estrabismo) e todos os carinhos e afagos que crianças sabem empregar muito bem, os míopes ainda podem se tornar atrações quase circenses: “Vai, Paulo, mostra como seu olho fica grande quando afasta as lentes da cara”. Pelo menos, me tornava popular.
Ah, míopes também sabem a diferença entre oftalmologista e oculista, afinal, quase todo portador deste dom tem um encontro anual com o especialista, que gera um diálogo profundo, parecido com este:
“Consegue ler a primeira linha?”
“Sim, H V Z D S”
“Assim está melhor? Ou assim?”
“Assim”
“Assim como?”
“Do segundo jeito”
“Certo. Consegue ler a quarta linha?”
“O N V S 8... Ou pode ser um B, não, péra, 8 mesmo”
“Como fica melhor? Assim ou assim?”
“Assim...”
“Certo. Suas lentes estão defasadas, precisaremos corrigir o grau”
“Oh Shit”.
Adoro o seu jeito de "enxergar" (rs) as coisa Paulo. Sensibilidade, leveza e uma pitada de humor, sempre acompanham a sua escrita!
ResponderExcluir