Wicked e a política brasileira

“Que bom. Morreu. A bruxa enfim morreu.”

É assim que começa o primeiro ato do musical Wicked. Oz finalmente se libertou da bruxa má do Oeste, que acreditavam ser a perdição de sua cidade.
Os cidadãos comemoram a morte da bruxa verde e veneram Glinda, a bruxa boa.

“A grande vilã de toda Oz, a arqui-inimiga de todos nós morreu. Que bom."



Assim que anunciaram a montagem brasileira de Wicked, eu fiquei ansiosíssimo para assistir. Geralmente sou fã de musicais, mas esse me instigava mais, pois não tinha ideia da história. Me julguem. Nem do clássico Mágico de Oz eu lembrava com detalhes. Fui obrigado a revisitar o original de 1939 na Netflix (momento merchandising) na semana que antecedeu o espetáculo. 
Assim que o primeiro ato começa, é fácil remeter ao fim do filme. A Wicked Witch morreu depois de ameaçar toda Oz, e os cidadãos estão livres para viver sem a presença horripilante da bruxa verde que poderia cozinhá-los vivos. No entanto, o autor do romance “Wicked: The Life and Times of the Wicked Witch of the West”, Gregory Maguire, deve ter se perguntado como seria viver em uma sociedade sendo verde. Como teria sido a vida pregressa da bruxa, antes de Dorothy? Aí vieram Winnie Holzman e Stephen Schwartz e levaram a história para os palcos.

Paralelos

Impossível não fazer uma conexão entre os cidadãos de Oz e o povo brasileiro, no momento político que o país atravessa. Logo no início da história, o espectador se depara com uma “bruxa”, que pode não ser tão má assim, muito pelo contrário, mas é julgada pelas consequências de suas escolhas. Tive minha percepção comprovada (e dita antes de mim) pelo Alvaro Gacia, que me acompanhava, mesmo não gostando de musicais.
Rejeitada desde que nasceu, Elphaba se vê obrigada a tomar medidas drásticas para interromper uma experiência cruel que está sendo realizada nos animais de Oz, mas é tratada como uma ameaça, e logo sua extinção é sentenciada. Quantos brasileiros neste momento não ficariam felizes de participar do ato de abertura de Wicked, em plena avenida Paulista?

Atenção: A partir daqui começam os spoilers mais severos.

Elphaba (Myra Ruiz) é a protagonista de Wicked
Elphaba é a filha bastarda do governador de Oz (eu avisei sobre spoilers). Ela é rejeitada por todos desde o momento que nasceu, por ter um aspecto diferente do que é considerado normal: ela é verde. Nem sua inteligência acima da média, seus poderes paranormais ou sua empatia são capazes de amolecer os corações, que não enxergam nada além de sua verdice.
A jovem sempre foi proibida de estudar ou sair de casa, mas ganha uma permissão especial quando a irmã mais nova, Nessarose (futura bruxa do Leste, a dona dos sapatos vermelhos), vai para a faculdade Shiz. Elphaba é designada a cuidar da caçula, que é cadeirante.
Os problemas começam de cara, principalmente quando a divisão dos quartos coloca a protagonista no mesmo aposento de Galinda, a loira popular. As duas se odeiam e não encontram um motivo sequer para se darem bem.
A única pessoa na universidade que enxerga atributos em Elphaba é Madame Morrible, uma espécie de coordenadora da Shiz. Ao perceber os superpoderes da moça, se propõe a treiná-la para desenvolvê-los.
No entanto, seu propósito nunca foi altruísta. Morrible estava de conchavo com o Mágico de Oz para usar os poderes de Elphaba com o intuito de amordaçar todos os animais de Oz.  Ao perceber isso, ela fica verde de raiva, ameaça contar todo o plano para salvar os animais – sem nenhuma premiação pela delação - e passa a ser perseguida como uma ameaça à sociedade.

E o que isso tem a ver com política?

Dilma Rousseff enfrenta nesse momento o período mais delicado de sua vida política, desde que foi eleita presidente da República, em 2011. A justificativa para a abertura do processo de impeachment é um suposto crime de responsabilidade, configurado pelas pedaladas fiscais – do qual muitos já se valeram, mas ninguém foi punido até então.

Apesar de deslizes gramaticais, montagens postadas no Facebook fazem alusão à capa da revista Veja, e fazem comparação com cenário político brasileiro

Há muitas teorias sobre o que realmente poderia ter motivado essa abertura de processo: sua inabilidade política, o avanço desenfreado das investigações da Lava Jato, operação da Polícia Federal, que pode respingar em figurões, e até a perda de apoio de boa parte dos eleitores, por ter tomado medidas impopulares e contraditórias com o que foi pregado na campanha eleitoral de 2014. Nada disso, no entanto, seria enquadrado como justificativa para a caça à bruxa.

A presidente pode não ter um final como a Elphaba, mas algumas das cenas do musical estão sendo reproduzidas na vida real. Diversas Glindas apareceram no cenário político, tentando posar de salvadoras da pátria. Resta saber se Dilma “desafiará a gravidade” e continuará no mandato até 2018, ou sucumbirá ao ato de abertura. O discurso do vice já está pronto para tranquilizar a população.

Se quiser saber curiosidades sobre um dos maiores musicais da Broadway, que fica em cartaz em São Paulo até dezembro, confira o vídeo abaixo:



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