Era uma vez na Europa

Aproveitando as férias no Palácio da Beth


Prólogo

Finalmente no Parlamento
“Eu só quero voltar para casa”.  A frase foi dita por uma senhora desolada, tentando voltar para casa em meio a uma greve geral de metrô. Sem informação sobre os itinerários dos ônibus, ela parava todos e perguntava se passava no seu destino. Estava nítido em sua expressão que ela não tinha experiência com greves de transporte público. Mas, pudera: a cena foi vivenciada em uma das maiores cidades do mundo: Londres. E o mais incrível: durante uma greve de metrô que paralisou a cidade por mais de 24 horas. Sim, eu estava lá para ver isso.
Apesar de morarem em uma cidade bem servida de ônibus, os londrinos não estão preparados para o...”caos”. Enquanto nós, paulistanos, somos peritos, enfrentando dois ou três problemas por semana no metrô ou no trem.
A paralisação de metrôs nos obrigou a andar cerca de quatro quilômetros entre Old Street, o bairro em que estávamos hospedados, até Westminster. Tínhamos hora marcada para visitar o Parlamento e em uma cidade famosa pela pontualidade, chegamos atrasados. Não tinha como me sentir mais paulistano em Londres do que usar a justificativa: “foi por causa do metrô”.


 *** 


Depois de um longo passeio de barco pelo rio Tâmisa, chegamos a Greenwich. O bairro provinciano abriga casarões e antigas residências reais, além de universidades e um observatório, que não vimos pelo horário que chegamos ao bairro.
Caminhando pelas ruas estreitas, seguindo rigorosamente as orientações do guia de viagens, nos deparamos com uma aglomeração que em nada parecia com os outros cantos da vila. Aproximamo-nos cautelosamente. Seria seguro?
                “Xdjenfoxfmdhjh”. “Sorry?”. “JSAfnvimssamdm”. “Sorry?”. O “diálogo” se repetiu mais umas três vezes até que o londrino festeiro deu de ombros, desistindo de nós. A cena aconteceu em uma festa LGBT de Rua em Greenwich, regada a show de drag queens e bebida meia boca vendida em Libra. O nativo tentou emendar um papo conosco, mas deve ter vindo recheado das gírias gays locais, porque não entendemos uma palavra sequer. Fomos embora sem nenhum amigo gay para adicionar no Facebook.

Aviso: Esse não é um texto de turismo. Tampouco pretendo dar dicas de viagem. Aqui registro minhas impressões pessoais com Paris e Londres. Se quiser qualquer informação adicional sobre locais e preços, me pergunte J

Cena de filme

No último final de semana, assisti ao filme Moulin Rouge (2001) pela 100ª vez. No entanto, apesar de saber o roteiro de cor, dessa vez foi diferente. A abertura da história apresenta o sinistro bairro de Montmartre, em Paris, no final do século XVIII e a identificação com o que vi ao vivo há mais de um mês foi imediata. No alto da estante eu vejo uma miniatura de plástico da mundialmente famosa casa de can can, com a inscrição I was in Paris. Sim, eu estive em Paris e isso ainda é meio louco de se imaginar.
Na nossa primeira noite na capital francesa fomos à apresentação no Moulin Rouge. Como era verão, o sol só se punha às 22h. Jantamos no primeiro bistrô da cidade, La Mere Catherine, perto da basílica de Sacre Coer e corremos para o espetáculo sob um sol de mais de 30 graus.
A casa fica na rua do hotel onde nos hospedamos. Ao avistar o grande moinho centenário, já fui remetido à história de Christian e Satine, no entanto, nenhum dos dois foi lembrado na apresentação. Nem mesmo um “Voulez-vous coucher avec moi?” foi entoado.
A apresentação é grandiosa, uma das maiores – senão a maior – que já assisti. Números circenses, danças coreografadas, luzes, cobras – sim, cobras – e muita música deram vida ao espetáculo Férias. Saímos de lá embasbacados e aproveitamos para conhecer o café Le Deux Moulins, cenário do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, algumas ruas acima, afinal, quem conseguiria dormir depois disso?

Magia

“Ela só atende no pavilhão”, disse o ajudante da princesa Tiana, de A Princesa e o Sapo, acabando com minhas esperanças de ter uma foto com a única princesa negra da Disney. A cena aconteceu na Disneylândia Paris, que visitamos antes de conhecer a cidade como se deve. Quem me conhece o mínimo, sabe o quanto isso foi especial para mim. Eu já visitei alguns parques de Orlando, na Flórida (EUA), mas o de Paris tem sua magia única. Afinal, diversos contos de princesas se passam na Europa. Sim, A Bela e a Fera, Cinderela e A Bela Adormecida, estou falando de vocês.
Castelo da Bela Adormecida, na Disneyland Paris
O tal pavilhão era uma espécie de chá com as princesas, fechado para as personagens e meninas. Eu não teria tanta cara de pau assim de participar de um evento restrito desses. Não sem um convite.
Apesar de serem menores do que os de Orlando, os dois parques da Disney Paris têm atividades para o dia inteiro. Ou até mais de um dia, dependendo da lotação e disposição. Conseguimos visitar 15 atrações nos dois parques. No fim do dia, esperamos pela queima mágica de fogos no castelo da Bela Adormecida. Um Stitch de pelúcia está na minha cama para me lembrar todos os dias dessa data especial.

Ela


À noite, ela parece ter sido desenhada no céu. É uma experiência muito estranha olhar para a torre mais famosa do mundo de perto, com toda sua imponência. Construída no início do século passado em caráter provisório para uma exposição, a Torre Eiffel se tornou permanente e o principal ponto turístico da cidade luz. Um dos mais importantes de todo o mundo.
O guia do passeio de barco pelo rio Sena tentava nos dar alguma explicação sobre qualquer coisa a respeito da história da cidade, mas os olhos estavam hipnotizados nela.
Sua grandeza é assustadoramente impressionante e a vista lá do alto – do segundo andar, pois o topo estava fechado – é linda. No entanto, encantamentos à parte, a estrutura de subida e descida dos visitantes lembra o pior dos serviços oferecidos aqui no Brasil, minando a experiência em dois tempos.

Museus e igrejas

Paris e Londres são oásis para os admiradores de museus. Parece meio óbvio, dado que estamos falando de cidades com mais de dois mil anos de existência, mas eu precisava reafirmar isso. Quando nosso Brasil foi “descoberto” já se faziam quadros, vitrais e tapeçarias lindas na Europa. Chegamos a visitar três museus em um único dia. Fora igrejas e monumentos centenários.
Catedral Notre Dame de Paris
Ao contrário do senso comum que apontaria o Museu do Louvre como o melhor e inesquecível, por ser o maior (14 quilômetros de extensão) e o que abriga a famosa Gioconda (Monalisa para os íntimos), de Leonardo da Vinci, ficamos vidrados no discreto Museu de Cluny, da Idade Média. Localizado perto da universidade de Sorbonne, o espaço abriga peças que remontam a uma época que nós, brasileiros, só temos acesso por filmes e livros de história. Se eu puder te dar uma dica sobre Paris é: sempre olhe para o teto. Lindas obras sempre estão expostas por lá.

Visitamos diversas igrejas, como a catedral de St. Paul’s, em Londres, ou a basílica de Sacre Coer, em Paris, mas o templo que mais me emocionou foi a catedral de Notre Dame. A mesma da lenda do Corcunda e da cigana Esmeralda.
Com sua obra iniciada em 1100, a gigantesca igreja já foi cenário de diversas épocas, contextos históricos e variadas súplicas. Atualmente, assim como os outros templos, transformou-se em um misto de igreja com museu e loja de souvenires, o que não é visto nem na basílica de Aparecida, aqui em São Paulo. As torres são fenomenais. A vista é uma das mais lindas de toda a cidade.
Ao sentar nos bancos para acompanhar a missa que acontecia, uma energia muito forte me envolveu. Não sei explicar, mas senti a necessidade de dobrar os joelhos e orar. E essa energia canalizada foi deixando meu corpo em forma de lágrimas. Aquele foi um dos momentos inexplicáveis de Paris.

Cultura pra esse povo

Fachada do Shakespeare Globe
Uma das experiências mais ricas da viagem foi conhecer o Parlamento inglês, que existe há 700 anos e por onde já passaram figuras importantes, como Margaret Thatcher. Assim como o Mosteiro de Westminster, cenário das coroações de reis e rainhas há mais de mil anos, e onde aconteceu mais recentemente o casamento do Príncipe William e Kate Middleton.
Também em Londres assistimos à montagem de Ricardo II nada menos do que no Shakespeare Globe. O teatro foi erguido às margens do Tâmisa exatamente onde o maior dramaturgo de todos os tempos escrevia suas peças. O espetáculo de três horas de duração foi encenado em um gigante teatro de arena, no inglês mais difícil que eu já ouvi na minha vida. Até mais difícil do que do pessoal de Greenwich.


Gastronomia

                Almoços e jantares em Paris e Londres podem ser verdadeiros programas culturais. Seja pela arquitetura e história de bistrôs e brasseries da capital francesa ou da cultura Fish and chips da terra da Rainha, tudo ajuda a remontar a formação cultural das cidades. Além do bistrô La Mere Catherine, já citado, visitamos a Brasserie Lipp, que mantém o mesmo ambiente e cardápio desde 1880. Outra experiência inesquecível foi o monumental Le Train Bleu, dentro de uma estação de trem.
                O restaurante mais antigo de Londres, Rules, foi nosso destino de jantar logo após a visita à National Gallery. Um jantar pago em libra esterlina só podia ser ótimo e ainda estou procurando uma réplica daquela Golden Syrup por aqui.

Baby, me leva

Paris é uma cidade linda, propícia para andar a pé. Não precisamos utilizar outro meio de transporte que não fossem metrôs e trens. No entanto, se eu fosse escolher uma para morar seria Londres. O clima frio, até mesmo no verão, parece ter sido feito sob medida para mim. E o melhor de tudo: basta pegar um trem e ir para Paris.
O regime monárquico da Inglaterra está estampado em todos os lugares de Londres, o que dá uma aura real, de contos de fada, aos principais bairros da capital. No entanto, o passado de guerras também é bem presente em símbolos como a Torre de Londres e o navio HMS Belfast, ancorado no Tâmisa, próximo a Tower Brigde.
Muitos passeios inesquecíveis foram injustiçados nesse texto e essa é uma das razões de ter demorado tanto para sair. No turbilhão de dúvidas, quase não saiu. Arco do Triunfo, Centro Pompidou, Madame Tussauds, Museu Carnavalet, Palácio de Versalhes, Museu Picasso, London Eye, Museu de Londres, British Museum, London Bridge, London Dungeon, Piccadilly Circus, Pantheon, Pollock’s Museum, Buckingham Palace e jardins secretos de Paris: vocês estarão sempre em meu coração.

Bônus - Adendo importante

Escadas. Escadas. Escadas. Se tirar todo o romantismo e poesia de uma viagem para a Europa e olhar sob um prisma frio, isso é tudo que você vai encontrar nos pontos turísticos. As obras são centenárias e, em alguns casos, milenares, e mantidas no formato original, principalmente Paris. Mas o encantamento é tão grande, que o bambear de pernas não cede em nenhum momento as belezas e o choque de se estar em duas das principais capitais do mundo.
Já faz quase seis meses que eu voltei da Europa, mas havia prometido uma segunda parte daquele texto e por mais inspirações que tivesse, não conseguiria colocar no papel enquanto este não saísse.
Em uma segunda-feira de agosto, depois de um fim de semana mágico com show no Moulin Rouge, visita à Disney Paris e passeios por museus e restaurantes, foi a vez de colocar a cara no sol de mais de 30 graus, subir e descer ruelas e escadas. A catedral de Notre Dame é como no desenho da Disney, sentia-me como o Quasímodo subindo por aquela escada infinita até chegar ao topo e, quando lá, gritamos “santuário”, como dois bons turistas, ao som dos sinos.

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