Autoestima não se compra

Na primeira vez doeu bastante. Eu não estava preparado como achei que estaria. Mal conseguia olhar para frente. Se lembro bem, mal consegui abrir os olhos. A sensação de ter alguém puxando meu cabelo com força para que aquela peça passasse a fazer parte de mim era uma das mais doloridas que eu já havia sentido, mas nunca fui de esmorecer diante da dor. Muito menos depois de pagar caro.

Sempre quis que meu cabelo balançasse ao vento. Muitas vezes me imaginei sofrendo por um motivo qualquer, puxando a franja do cabelo para mirar o horizonte com os olhos semicerrados e formando aquela cena perfeita de novela. No entanto, a genética não foi tão gentil e passei a perder fios aos quinze anos. O vento logo revelava a pouca telha e a cena ficava dramática, mas por outras razões. Uma lástima.

O ano era 2010. Eu havia me formado na faculdade no ano anterior, cursava a pós, atravessava um relacionamento amoroso unilateral e mudava de emprego. Um período muito propício para mudanças bruscas, não?

Aos 24 tomei a decisão de me prender àquela corrente da vaidade. Seduzido pela promessa dos sonhos realizados com uma prótese capilar milagrosa, comprada com a suada rescisão contratual recebida no meu primeiro emprego. Não responsabilizo nenhum dos incentivos persuasivos que tive à época. Eu tinha que passar por aquela experiência.

O ano era 2010. Eu havia me formado na faculdade no ano anterior, cursava a pós, atravessava um relacionamento amoroso unilateral e mudava de emprego. Um período muito propício para mudanças bruscas, não?

O lugar escolhido parecia ter parado no tempo nos anos 1980. O dono beirava os 80 anos de idade, mas parecia ter bem mais. Minha fiel escudeira na empreitada foi minha saudosa madrinha, companheira de aventuras e loucuras, Rosa. Depois daquele dia ela foi a única que testemunhou o Quasímodo que eu me revelava a cada 40 dias, quando tinha que voltar ao cenário de terror para fazer as caríssimas manutenções das correntes de fios, que me mantinham aprisionado, mas alimentavam minha ilusão. Eu não me reconhecia na imagem que refletia no espelho enquanto esperava voltarem com a peruca prótese, e queria manter aquilo o mais distante possível da vista das outras pessoas. Era uma aberração, não era eu, e só Rosa tinha permissão para adentrar esse mundo. O qual nem eu queria ficar muito tempo.

Com o passar dos anos, a corrente que enchia minha cabeça de belos cabelos negros e enganava mais a mim do que aos outros, foi se tornando uma bola de ferro. Conhecer pessoas novas – que rareavam – era um tormento. Revelar que usava prótese era tão constrangedor quanto revelar ter matado alguém. Raramente via a pessoa mais de duas vezes.

Há exatamente um ano eu consegui me libertar das amarras da falsa autoestima. Ou do que eu achava que era autoestima. A insegurança e o medo de me revelar sem máscaras fazia com que escondesse o que realmente importava em mim. E que, com certeza, não era o cabelo.

"Seus olhos estão mais vivos". "Seu rosto está mais bonito". "Você ficou mais iluminado". "Rejuvenesceu dez anos".

Em um rompante de coragem, pouco mais de um ano após a perda de Rosa, minha única testemunha e confidente da escravidão dos fios, visitei a clínica que amputa autoestima, ao invés de implantar, e pedi, sem parcimônia: “Quero tirar a peça”. Era meu pedido de alforria daquilo que eu já vinha tentando me livrar há algum tempo, mas sem a coragem necessária. Meu amigo bff, Ricardo, me acompanhou e foi testemunha da resistência do senhorio em dar a liberdade para o escravo que havia criado com tanto esmero nos últimos quatro anos. Só não fui chamado de santo. Bullyngs, abusos e acusações jorravam de sua boca idosa ao ver que um escravo conseguia se libertar. A cena que já tendia a ser dramática conseguiu se tornar traumática.

"Seus olhos estão mais vivos". "Seu rosto está mais bonito". "Você ficou mais iluminado". "Rejuvenesceu dez anos".


Ao sair da clínica de aborto clandestino, após deixar o cadáver de fios escorrer por aqueles degraus, senti pela primeira vez o vento bater na minha cabeça nua. Junto com o vento senti a injeção de autoestima verdadeira, ânimo e coragem para “colocar a cara no sol” e me revelar: sim, sou careca. Não, não quero consertar isso. 

A primeira foto careca #fizABritney

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