Nota mental: Não seja uma fraude

As aulas de teatro que fiz desde os oito anos de idade sempre me ajudaram a ser uma pessoa muito expressiva. Até demais. Ao contrário do que dizem, atores não são falsos ou mentem com facilidade. Pelo menos no meu caso – se é que eu posso ter a pretensão de me chamar de ator – isso não é verdade. Se eu não gosto de algo, se adoro ou se não estou entendendo deixo tudo bem evidente apenas com o olhar.
Até hoje me pergunto qual era o meu olhar na primeira coletiva de imprensa que eu participei em 2010. Era uma foca (jornalista recém-formado) que estava nas primeiras semanas de carreira em um site de tecnologia e fui enviado para um evento que apresentaria o então pouco conhecido conceito de cloud computing. Internet na nuvem? O que raios poderia ser isso? Mas eu não perguntei.

Tenho uma amiga que diz: “quando escrevo sobre o que não entendo, me acho uma fraude”. Compactuo totalmente

Não tem nada pior do que sair de um lugar cheio de dúvidas. Aliás, tem sim. Sair de um lugar com uma vaga noção do que foi dito lá. Tenho uma amiga que diz: “quando escrevo sobre o que não entendo, me acho uma fraude”. Compactuo totalmente. Autor que escreve um texto sem entender do tema, escreve superficialmente, passando por cima dos assuntos, falando o que todo mundo já sabe. Morro de medo disso.
Ainda no primeiro ano de faculdade me desencantei com o jornalismo que me mostraram. Ao invés de contar histórias, tinha que caçar e mostrar números. A frustração corroía meu ser vagarosamente, como uma bactéria, e eu deveria ser totalmente infectado em alguns meses. Até descobrir o antídoto.
Em uma manhã de domingo de 2007, aos 21 anos, conheci o Jornalismo Literário. 

No entanto, o que mais me intrigou foi o uso que faziam do silêncio, quando necessário. Jornalista tem que saber ouvir.

Na primeira edição do Salão do Jornalista Escritor pude ouvir as histórias e visões de mundo de Eliane Brum, Ignácio de Loyola Brandão e José Hamilton Ribeiro. Me encantei com o uso que aquelas pessoas faziam das palavras e também dos números, quando necessários. No entanto, o que mais me intrigou foi o uso que faziam do silêncio, quando necessário. Jornalista tem que saber ouvir.
Cada um deles mostrou como há uma história interessante inserida em cada pessoa. Cada esbarrada nas ruas pode propor uma narrativa, cabe ao autor saber identificar o fio solto que pode conduzir uma história relevante.
Saí do evento e fui comprar o meu primeiro contato com o gênero: A vida que ninguém vê. O livro é uma coletânea da coluna de mesmo nome que Eliane manteve no jornal Zero Hora durante a década de 1990, contando histórias de anônimos.
Aquela manhã de domingo inspirou minha missão no jornalismo. Meu TCC. Minha Pós. Minha visão de mundo. Descobri que existe jornalismo além dos números, mas nem por isso além da pesquisa. Sempre há tempo para entender algo sobre o tema que será abordado, ou sobre o remetente do convite para a coletiva de imprensa, nem que seja no táxi, indo para o local.

E até mesmo uma matéria sobre cloud computing não precisa ser técnica. Aliás, se for técnica demais, pode ter certeza: pouco foi entendido para ser repassado. Isso não se aprende na faculdade.

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