Oito anos

“Quando eu te vi andava tão desprevenido
Que nem ouvi tocar o alarme de perigo
E você foi me conquistando devagar
Quando notei já não tinha como recuar”

Depois de nadar de braçada em meio ao mar de pessoas, Pedro finalmente conseguiu encostar-se ao balcão do bar da balada: “Tem Stella?”. “Só Skol”. “Não, Skol hoje não. Me vê uma caipiroska, então”. “Não fazemos nesse bar, só no da pista”. Foi tão difícil chegar a esse bar, imagina no da pista? “Eita. Tudo bem. Me vê uma Coca, então”. “Coca?”. “Sim, Coca”. “Aqui está”. Vira-se, tentando esconder o rótulo da lata com o guardanapo, fingindo ser uma proteção para os dedos contra o gelo e quando está prestes a dar a primeira sugada no xixi do capeta com o canudo, Pedro o avista.
“Não é possível que seja ele. E como eu ainda lembro do seu rosto?” Pelas contas rápidas que faz mentalmente, não o vê há oito anos. “Sim, eu o conheci após aquele namoro desastroso, que só deixou-me sequelas. Ficamos alguns meses... Exatamente isso”. Ele é o Alberto de 2006. “Será que eu vou falar com ele? Ah, vai me achar um idiota”. Mas e daí? O que teria a perder? A essa hora todo mundo já está meio bêbado mesmo, é melhor ir antes que ele suma nessa multidão. “Oi, Alberto”. “Oi, como você sabe meu nome?”. “Eu sou o Pedro, a gente se conheceu em 2006, eu trabalhava naquela empresa de telemarketing.”. “Huummm, ah, lembrei” (mentiu Alberto).
Nesse instante, algum arquivo antigo se abriu na memória de Pedro, que desenrolou tudo sobre Alberto: Ele fumava, estudava Letras em uma faculdade no Largo do Café, trabalhava dando aulas e a última vez que o tinha visto foi em um almoço no McDonald’s da Avenida Ipiranga. “Nós fomos assistir a uma peça na USP e fomos assaltados no Anhangabaú, lembrou?”. “Nossa, é verdade! Mas você mudou bastante”. Nesse meio tempo, se aproximavam fisicamente, cada vez mais, por conta do empurra-empurra. Em dois minutos, estavam praticamente abraçados. Alberto tentou se desculpar. “Olha, não sou eu. Estão me empurrando”. “Tudo bem”. “Mas eu até que estou gostando, sabe?”. Beijaram-se. “Que beijo é esse? Como eu poderia ter esquecido?”. Pedro ruborizou com o elogio, como de costume.

2006. Praça da República, em São Paulo. Alberto caminha cheio de livros nas mãos, o dia foi pesado, nem olha para frente. Pedro estava entre os amigos do trabalho, chateado ainda com o término recente de um namoro traumático, o outro devia estar prestes a subir ao altar com a escolhida por sua família. Alberto só conseguia pensar em tudo que tinha para terminar e como seria melhor ter um cigarro nas mãos do que aquele monte de livros nos quais não acreditava em uma linha do que estava escrito.
Em certo momento, Pedro e Alberto se chocaram. Pedro odiava esbarrar nas pessoas, ganhava muito pouco e tinha receio de indenizações ou ter que interagir com desconhecidos. Alberto deixou os livros caírem. Pedro se abaixou para ajudar a pegar. Alberto abaixou em seguida. As duas mãos se tocaram. Uma flauta boliviana fazia a trilha sonora quando os olhares se encontraram. Pedro sorriu. Alberto arregalou os olhos. Pedro puxou assunto com Alberto, gaguejando, como de costume. Alberto deu seu telefone para Pedro.
Pedro e Alberto saíram algumas vezes. Beijaram-se algumas vezes. Pedro tinha 20. Alberto tinha 22. Pedro não gostava de cigarro. Alberto fumava e não queria nem saber disso, se incomodasse, que fosse embora. Pedro e Alberto dormiram juntos na casa de uma amiga. Mas só dormiram mesmo. Despediram-se. Nunca mais se viram. Pedro lembrava-se de Alberto. Alberto esqueceu Pedro.
Pedro passava as noites de sexta-feira nos últimos três anos em um happy hour de karaokê no centro da cidade, ia embora por volta das 22h. Alberto ia para o happy hour com o namorado ao mesmo karaokê às sextas-feiras, após as 22:30. Perdiam-se por meia hora, todas as sextas-feiras.

2014. Hotel Cambridge. Anhangabaú. São Paulo. “Como eu te deixei partir? Eu lembraria desse beijo”, indagava Alberto. “Não sei exatamente o que aconteceu”. “Eu parei de fumar há quinze dias”. “Anota meu telefone”. “Olha só! Seu telefone ainda está na minha agenda”. A agenda de Pedro já tinha mudado incontáveis vezes desde 2006.
Alberto terminou um namoro recente, ainda está na fase do desapego. Pedro passou os últimos três anos na fase do desapego, tentou se apaixonar, mas achou melhor seguir o curso. Alberto resistiu às primeiras investidas de Pedro e deixou claro que não queria nada sério. Pedro, taurino e incansável, persistiu até onde pôde, vestindo-se até de Chapolin Colorado para salvar Alberto em uma noite solitária, perdida em um karaokê decadente. Alberto decidiu pelo “sim” quando Pedro já estava quase tomando o rumo do “esqueça”.
Se for a pessoa certa no momento errado ou a pessoa errada em dois momentos certos, não se saberá até que mais oito anos se passem.

“e o que resta é dor e dúvida se era realmente amor
e se haverá nova oportunidade de amar
ou, ao menos, se enganar e misturar duas vidas
e construir uma história cheia de qualidades e defeitos”

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