Fui atropelado por um aerotrem...

...É assim que eu me sinto. Como se um veículo do porte de um aerotrem, que só existe nos sonhos políticos, tivesse passado por cima de mim e de milhares de pessoas ao mesmo tempo, em um massacre. Algo como ver várias tochas acesas correndo em minha direção enquanto eu me debatia e gritava em silêncio, amarrado a um poste de impotência.
É estranho pensar que no mesmo ano em que a televisão brasileira transmitiu o primeiro beijo entre dois homens em uma novela - com anos de atraso, diga-se de passagem - mas com ótimo saldo para a visibilidade da causa, um grande desfavor foi feito à sociedade na madrugada da última segunda-feira. O ódio, a ignorância e a maldade disfarçados de bons costumes e “proteção à família brasileira” ganharam mais um rosto: Levy Fidelix. O candidato que não representa 1% das intenções de voto nas pesquisas eleitorais conseguiu marcar sua participação nessa campanha de forma determinante e causar o medo que o Pastor Everaldo (PSC) não tinha conseguido até então. 

O ódio, a ignorância e a maldade disfarçados de bons costumes e “proteção à família brasileira” ganharam mais um rosto: Levy Fidelix

Eu tinha me programado para escrever sobre outros temas essa semana, algo mais leve, dado o último assunto, mas não seria verdadeiro comigo mesmo se não registrasse que nesse dia 28 de setembro de 2014 presenciei boquiaberto um discurso proferido em rede nacional, importado diretamente do Holocausto, com pinceladas de Idade Média, em um meio de comunicação com transmissão em HD: “Somos a maioria, vamos combater a minoria”. Adolf Hitler deve se orgulhar de ver seus ensinamentos perpetuando na história.
Não é a primeira vez que o candidato se empenha em deixar clara sua visão sobre os direitos LGBT nesta campanha. No debate promovido pela TV Aparecida ele já tinha citado seu posicionamento, assim como na entrevista à Rede Record. O que espanta dessa vez é a evidente incitação à violência, os comentários depreciativos como “dois iguais não se reproduzem” e a pior constatação já dita em um debate eleitoral: “aparelho excretor não reproduz”.
É preciso ressaltar que todos esses impropérios foram expelidos de sua boca alegando que um “pai e avô de família não poderia se render a uma minoria por votos”. Em sua visão, portanto, os homossexuais foram mal criados e mal educados pelos pais. Há quanto tempo essa tese havia sido derrubada mesmo? O médico Drauzio Varella postou um vídeo recentemente esclarecendo a homossexualidade (que não é homossexualismo, uma vez que o sufixo ismo configura doença, o que não é) àqueles que ficaram presos no século passado.
O eterno candidato do PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro) adora citar números em seus discursos recheados de bilhões, trilhões e milhões, logo, seria interessante lembrá-lo quantas pessoas são mortas todos os dias no Brasil em virtude da homofobia. E a culpa não é somente dos que sujam as mãos, mas também daqueles que dizem “não ter preconceito, mas filho meu não será gay porque será bem criado” que incitam o ódio e intolerância.
Infelizmente os argumentos de Fidelix ainda são replicados à exaustão. O que mais doeu e me fez ir dormir com sensação de abandono não foram suas palavras, mas o silêncio dos outros candidatos. Luciana Genro, do PSOL, que lhe fez a pergunta, tinha a oportunidade de rebater as comparações esdruxulas que reduziam homossexuais a pedófilos, mas não o fez. Dilma Rousseff, que defendeu a criminalização da homofobia na bancada da ONU, se restringiu a um discurso pronto, sem citar uma linha de repúdio. Marina Silva, que poderia aproveitar para limpar sua imagem com o público LGBT, nada falou. Nem vou me dar ao trabalho de citar os demais, nem mesmo Eduardo Jorge, que compareceu ao ato em memória de João Donati. Fidelix não poderia sair ileso daquele debate.

O que mais doeu e me fez ir dormir com sensação de abandono não foram suas palavras, mas o silêncio dos outros candidatos

Enquanto os agredidos pela homofobia têm sua história contestada pelas autoridades, as afirmações criminosas de Levy Fidelix o asseguram proteção da Polícia Federal. Se a homofobia fosse crime, teria ele o mesmo tratamento que teve a torcedora do Grêmio, acusada de racismo?
Sei que as chances do candidato se eleger são mínimas – ou até subam agora, amparado pelo coro que riu de suas afirmações ou julgaram a prática como liberdade de expressão – mas o silêncio dos demais é o que me assusta. O silêncio que vem agredindo, o silêncio que vem matando. Esse maldito silêncio. A única constatação que temos é: independente de quem vença as eleições, é bem possível que tenhamos mais quatro anos de silêncio ensurdecedor.

Se você não teve a chance de assistir ao desastre na íntegra, segue o vídeo:


Comentários

  1. A situação é realmente critica, mas particularmente penso que tal discurso foi tão espantoso que pareceu um soco no estômago. Talvez eu mesmo no lugar dos outros candidatos ficasse em silêncio, tamanho o impacto.
    Mas não se desespere, amigo: acredito que forças surgirão. O silêncio não será eterno.

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