Publicado originalmente em: http://www.cantareira.org/noticias/um-bairro-na-rota-do-rodoanel
Mais do que problemas ambientais, a construção do trecho norte do Rodoanel mudará a vida de milhares de moradores da zona norte paulistana
Por Paulo Gratão
A casa em que Avelino Rocha mora há 70, dos seus 100 anos de vida, no bairro Parada de Taipas, zona norte de São Paulo, não aparece no mapa, pois é simbolizada pela Serra da Cantareira. Mesmo no campo visual está prestes a sumir. Toda a história naquele local pode se tornar apenas memória. As obras estaduais do Rodoanel Trecho Norte começarão em breve e Avelino deve encerrar seu primeiro século de vida longe do bairro que o abrigou desde que nasceu.
O bairro fica no caminho para o interior e é cortado pela estrada velha de Campinas. As tropas militares que faziam esse caminho, levando boiadas vindas do interior para o abate, paravam no local. As muitas casas de taipa existentes ajudaram no batismo de Taipas e a parada dos oficiais complementou o nome Parada de Taipas.
Suas características interioranas são visíveis até hoje. Os moradores se reconhecem ao se encontrarem nas ruas. Não é raro ouvir que fulano “vai à cidade” quando vai ao centro de São Paulo.
Ainda estão lá…
Os portões da chácara dos Domingues se abrem às 11h30 e fecham às 15h, de segunda a sexta-feira. O restaurante de comida típica mineira Recanto das Jabuticabeiras existe há 20 anos, conta a paisagista e urbanista Patrícia Domingues, uma das duas filhas de Antonio Domingues, dono do restaurante.
Em um cenário rústico, com elementos de cena que remetem ao passado como máquinas de escrever e ferros de passar roupa a carvão, a comida é preparada e servida. As mesas dentro do restaurante ou ao redor, perto das jabuticabeiras, oferecem a natureza de cenário para os clientes.
Ainda no pulmão verde de São Paulo se esconde a mais antiga história do bairro. Para chegar à casa do morador que dedicou os quase 100 anos de sua vida ao local é preciso se preparar para uma trilha, como a de uma reserva ecológica.
Em 26 de junho de 1911, Parada de Taipas foi cenário para o nascimento de Avelino Rocha, o sétimo de oito filhos do casal Tamar José da Rocha e Maria da Conceição. Hoje, é o único filho vivo.
O olhar amistoso de Avelino, e seu sotaque arrastado refletem as raízes da Parada de Taipas no início do século passado. Um bairro que era formado apenas por sítios e tinha como uma das principais atividades a plantação de cana e produção de pinga. Avelino participou ativamente de toda essa história.
Com os olhos marejados e distantes, e um sorriso entreaberto, Avelino lembra como conheceu Carmelina, sua esposa. “Ela era atibaiana. Apareceu aqui com dois irmãos e o pai para uma corrida de cavalos e a gente acabou se conhecendo”.
Do casamento nasceram dois casais de filhos, que hoje moram no terreno do pai. As letras e os números foram apresentados a Avelino pelo feitor de uma empresa. Curioso, sugou tudo que podia do mestre em um ano e acredita que a experiência foi válida. “Com o pouco que aprendi consegui fazer minha fábrica de pinga”, conta.
Quando construiu a fábrica de pinga, Avelino foi morar na casa onde está até hoje, em meados de 1940. Agora de alvenaria, foi feita em 1941, antes era de sapé, até que um amigo pedreiro ofereceu a construção da nova por 60 mirreis. O terreno que viu Avelino passar de filho para pai, para avô e agora, para bisavô abriga um pesqueiro, administrado por um dos filhos. O asfalto não chegou à sua rua por pouco. Duas quadras à frente já é possível andar sem tropeçar em entulhos despejados na rua.
Futuro incerto
O Rodoanel é um projeto do governo do estado de São Paulo que pretende interligar as dez rodovias que dão acesso à capital, formando um anel viário em torno da cidade. Os trechos sul e oeste já estão finalizados, o leste está em construção e o norte, segundo informações da Dersa, empresa responsável pelas obras, aguarda apenas a licença ambiental.
Como benefícios, o governo promete, entre outras coisas, redução de R$ 2 bilhões nos custos com transporte por ano e de 67% dos riscos de acidentes. Além disso, a construção beirando a Serra da Cantareira, segundo os documentos disponíveis no site da Dersa, criará um grande cinto de segurança, que impedirá a especulação imobiliária e a construção em áreas de risco.
As pessoas que moram no mapa traçado pela empresa não se mostram felizes com a desocupação obrigatória. Mais de 100 delas se reuniram pela primeira vez no terceiro domingo de 2011 no espaço da Sociedade Amigos da Parada de Taipas para saber o que aconteceria com suas casas. Como aceitar que suas vidas são um empecilho para o avanço da cidade?
“A obra passará pelo pé da serra, com alguns trechos em túnel. Uma grande alteração em nosso bairro. Imagine uma rodovia com 130 metros de largura passando pela região!”, diz a ex-vereadora Lídia Correa, que organizou o evento.
A preocupação no momento é como a população será atendida. Muitos já cogitam receber valores irrisórios do poder público pelo imóvel. Lídia não descarta essa opção, mas aqueles que têm a documentação podem optar por um apartamento quitado do Conjunto Habitacional de Desenvolvimento Urbano (CDHU), em local a ser indicado pelo governo. “E nossas vidas? Não podem nos mandar para longe. Muita gente viveu vinte, trinta ou quarenta anos aqui”, questiona uma moradora preocupada.
Apesar da preocupação, Lídia reconhece que a construção do Rodoanel na região de Taipas pode ser benéfica. “Defendemos o crescimento e o desenvolvimento, mas isso precisaria ser melhor planejado. São alterações muito grandes e vamos perder parte da nossa identidade”, finaliza.
Patrícia Domingues explica que a chácara de sua família, considerada elemento de história do bairro, será preservada. A mesma sorte não foi destinada nem mesmo aos vizinhos. “Vejo a chegada do Rodoanel com esperança e desconfiança, espero que nos devolvam a mata reflorestada”, desabafa.
Patrícia não sabe o que pensar sobre os efeitos do Rodoanel no restaurante, mas sabe que durante o processo terá problemas com o trânsito e já se prepara para isso.
De uma coisa os moradores de Taipas têm certeza. O desconhecido bairro não precisará mais de explicações mirabolantes para ser apresentado. “Eu moro em Taipas, que fica entre Pirituba e a Vila Nova Cachoeirinha” ou “perto do Pico do Jaraguá”. O bairro poderá ter sua identidade alterada, mas cumprirá sua função histórica: Passagem
Oi Paulo...adorei este post! Ainda mais que revi noticias do Restaurante Jabuticabeiras...ja fui lá ainda com meus filhos e esposo, e tinha saudades mas achei que tinha fechado, de repente era pra reforma e ... ja localizei novamente graças ao seu post...e breve estarei por lá...parabéns!! Muito bom ter noticias dos bairros proximos aos nossos!! Abraços querido e sucesso!!
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