A primeira coisa que faço ao discutir ou brigar com alguém é abrir o bloco de notas no computador. Enquanto encaro aquela folha em branco e o cursor que pisca impaciente, procuro a melhor forma de começar o desabafo. De começar a escrita.
As letras chegaram muito cedo na minha vida. Um dos primeiros contatos que tive era o alfabeto anexo à lousa de brinquedo. Deixava bem claro que só sabia contar até 100, o que viesse depois era demais, desnecessário.
Isso foi quando eu entrei na primeira série. Contrariado por sentar no fundo da sala, longe do único amigo que conhecia ainda do pré-escolar, só tive mais pavor ao ver a professora escrever o nome da cidade e a data, que era uma das primeiras de 1993, com letra cursiva. Mais chocado ainda fiquei quando olhei ao redor e vi que as crianças copiavam o que era escrito, sem nenhuma preocupação. Foi um dos primeiros momentos de pânico que lembro ter sentido em minha vida. Pressionado por todas essas intempéries, fiz o que qualquer criança sensata faria: chorei.
Chorei em silêncio para não ser notado pelos colegas, mas não tirei os olhos empapados da lousa, para ser enxergado pela professora. Meu plano deu certo e a expliquei que só aprendi a escrever com letras de forma. “Tudo bem, nós estamos aqui para aprender. Ninguém é obrigado a saber”. Essas palavras me acalmaram, é claro, e as carrego até hoje, sempre que me deparo com desafios.
Os anos passaram, os cadernos foram trocados da brochura para o espiral e depois para o fichário, mas todos tinham algo em comum. As últimas páginas nunca ficavam em branco! Sempre havia algum rascunho das histórias que eu vivia em meu mundo paralelo infantil, ou de poesias e músicas desregradas que nunca seriam cantadas.
Na adolescência escrevi dois livros. Não era exatamente o que podia se chamar de “livro”, pois eu comprava um caderno de brochura, começava a história com os personagens fervilhando, e me proibia de terminar o conto antes do fim do caderno. Lá era o único lugar em que meus amigos imaginários conheciam e conviviam com meus amigos de verdade.
Sempre escrevi para guardar segredos. O papel e a caneta eram meus confessores. Também escrevia quando queria que soubessem, mesmo que disfarçado de segredo. Como um diário sem cadeado.
As letras sempre foram minha forma de materializar os pensamentos. Até com mais sucesso do que se eu tentasse desenhá-los ou verbalizá-los. Para as letras, também, eu corria quando precisava desabafar algo bom ou ruim. Papéis e papéis que eu insistia em guardar e, de vez em quando, ainda caem do guarda-roupa.
Quando me profissionalizei na escrita jornalística, passei a tentar ser mais rigoroso com meus textos. Exerço uma cobrança absurda sobre mim e nunca estou satisfeito. Sempre poderia ter sido melhor. Envergonho-me, até, algumas vezes.
Além da busca incansável por uma estética única a cada texto, sinto a necessidade de ser lido e criticado. Elogios não me convencem, a não ser que venham embasados de bons argumentos.
Com o tempo, aprendi a escrever melhor, mas passei a escrever menos. A cobrança é tão grande que me reprimo a escrever tanto como antes. Tantas besteiras úteis!
Torço o nariz.
“Deseja salvar o arquivo?”, pergunta o aplicativo.
Clico em "Não".
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