Meu pai trabalhou dos 14 aos quase 50 anos de idade na mesma "firma". Só saiu de lá aposentado, por invalidez. Ele não gostava de ir ao médico e, embora trabalhasse de forma braçal, não via necessidade de se cuidar, ainda mais de faltar ao trabalho. Ele nem gostava de pensar que faltasse algo para nós, em casa. Vivíamos com pouco, mas bem.
Quando ele parou de trabalhar, envelheceu 40 anos em dez, até que se foi, em 2011. Ele sempre dava um jeito de fazer bicos ou arrumar serviços para não se sentir inútil. Por mais que pudesse, nunca passava pela cabeça dele relaxar, viajar ou jogar xadrez na praça. Isso era coisa de quem não gostava de trabalhar.
São nítidas as transições de gerações entre nós. Ele estudou até o quinto ano, do ensino fundamental, e precisou trabalhar desde cedo. Eu fui até a pós-graduação e tive meu primeiro emprego formal aos 19 anos, como operador de telemarketing.
Lembro que quando comecei a trabalhar e fazer faculdade ao mesmo tempo, meu pai achou um absurdo e disse que eu teria que escolher, não dava para sair de casa às seis da manhã e chegar meia-noite, afinal, eu era apenas uma criança de quase 20 anos.
Tempos modernos
Semana passada vieram à tona duas notícias de pais que mataram a família e depois se suicidaram por não conseguir mais sustentá-los, desesperados com o desemprego. Existe um acordo velado na imprensa para não se divulgar notícias sobre suicídio, o que me espantou ao ler as reportagens. Busquei informações e descobri que isso, infelizmente, é mais comum do que se pensa. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), um brasileiro coloca fim à própria vida a cada 45 minutos.
Há algumas semanas, a blogueira Ruth Manus disse que a nossa geração é a que encontrou a paz no pedido de demissão. Realmente, conheço muitas pessoas que largaram tudo e foram viver de forma autônoma, mas com um belo background paternal, em caso de emergência.
Ela logo viu seu texto receber uma resposta pouco amigável, mas que deixou uma mensagem: "não se sinta acomodado na vida se não consegue ou não quer sair de seu emprego agora, você tem contas para pagar".
Para qual tipo de sociedade estamos caminhando? Toda crise traz uma ruptura de conceitos, e essa se encaminha para ser favorável ao lado patriarcal da força, com arrocho de direitos trabalhistas, flexibilização da jornada de trabalho e "não fale em crise, trabalhe". Estamos preparados para isso? Quantos pais de família não têm chorado - para dizer o mínimo - por não ver perspectiva para criar seus filhos? Quantos, como meu pai, não imaginam uma vida fora do seu emprego de 30 anos, que sempre lhe asseguraram o ganha pão? Meu pai teria tomado a mesma decisão, caso isso acontecesse com ele?
A verdade é que a maioria de nós está bem cansada e insatisfeita com tudo, mas a solução é a mesma para todo mundo?
Dilemas da geração
É comum ler que a nossa geração é desapegada, não quer casa própria, carro próprio, sair da casa dos pais, emprego fixo, pensar na aposentadoria, ouvir samba ou ler clássicos. Não é bem assim, toda generalização é injusta e excludente. Não existe apenas um perfil na “nossa geração”. Por que essa pressão?
Conheço gente que se realizou com a compra de um carro, que não se sente confortável dependendo de transporte público, táxi ou uber. Outros, se realizaram com um novo iPhone. Tem gente que se realizou casando e tendo filhos, outros viajando mundo afora, sem se preocupar com a hora do tal relógio biológico.
No entanto, o ponto de convergência existe: essa geração é a que tem liberdade e informação suficiente para escolher em qual tipo de prisão quer viver: do emprego fixo, da flexibilidade de não ter que responder para ninguém, mas não ter dinheiro ou tempo, no caso de quem empreende, ou ainda não se prender a nada e viver um pouco de cada coisa durante a vida.
Ainda é justo complementar que na “nossa geração” há gente abastada, com mais opções, se quiser viver de ar e amor, e gente que precisa ralar, e muito, para contar as moedas e pagar as contas. Para estes, as opções são pífias, mas existem.
Seja qual for a escolha, o importante é não se deixar engolir pela rotina, sem ter tempo de observar o tempo passar. É importante deixar de viver cada dia à espera da sexta-feira, ou se melindrar diante de qualquer padrão imposto por reportagens ou blogs da moda. A vida de cada um é única e um dia nos aposentaremos dela. Que seja por uma velhice bem cultivada, mesmo que na pobreza, e não por uma invalidez forçada.
Em tempo: Há uma campanha mundial de prevenção ao suicídio, o Setembro Amarelo. Aqui no Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) pretende iluminar vários pontos do país de amarelo, promover palestras, caminhadas e passeios ciclísticos. Mais informações podem ser obtidas no site www.setembroamarelo.org.br
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